02 outubro 2007

Mobilidade humana: ameaça ou oportunidade para o desenvolvimento?

Devemos, à partida, clarificar alguns dos conceitos, pois no que se refere ao desenvolvimento, os equívocos são sempre muitos. Neste caso, falamos de desenvolvimento humano: pleno, integral, sustentável, justo e equilibrado. Que beneficie todos os homens e o Homem todo.

Esta ambição torna, naturalmente, muito mais complexa a análise da realidade, onde todas as simplificações são muito perigosas. Neste contexto do desenvolvimento humano, importa então olhar as migrações numa perspectiva multidimensional. Isso exige ser capaz de atender, para além da dimensão económica, à dimensão social e à dimensão cultural; requer partir da esfera individual (do migrante) mas não esquecer a esfera colectiva, representada quer pelo país de origem, quer pelo país de acolhimento.

Neste caminho estreito, as respostas dicotómicas raramente se aplicam.
Na complexidade, há poucos “OU”. Quase sempre temos que considerar os “E”. Assim é, neste domínio. Por isso, tomamos a liberdade de vos propor uma ligeira alteração no eixo de reflexão: Mobilidade humana – ameaças e oportunidades para o desenvolvimento.

Assim, proponho-vos uma matriz de análise que procura correlacionar três eixos diferentes. Como primeiro eixo, a Dimensão Económica / Cultural / Social; como segundo, Migrante / País Origem / Pais Acolhimento e, finalmente, como terceiro eixo, Ameaças /Oportunidades. Deste cruzamento, resultam 18 variáveis que teremos em consideração, ainda que em registo de breve flash.

Naturalmente, escolhemos como primeiro e primordial ponto de vista, o desenvolvimento humano na perspectiva do migrante. Assim, ao nível económico, o migrante enfrenta a ameaça do elevado preço a pagar pela entrada (por baixo) num mercado de trabalho desconhecido, bem como as consequências de um ciclo do empobrecimento, ainda que relativo. No reverso da medalha, o migrante tem a oportunidade de acesso a um emprego, uma perspectiva de maior remuneração e a possibilidade de poupar e remeter essas poupanças para a família.

A nível social, o migrante enfrenta recorrentemente as ameaças da intolerância e da exclusão, mas pode beneficiar de oportunidades que as redes co-étnicas proporcionam.

Na esfera cultural, o migrante seguramente terá que gerir a ameaça do choque cultural e do síndrome de Ulisses, bem como da aculturação, que o obriga, muitas vezes, a abdicar do seu referencial cultural para melhor se integrar. Mas pode também ter nesse mesmo património cultural, uma oportunidade de utilizar um recurso eficaz para afirmação na sociedade de acolhimento.

Mudemos agora de sujeito. Olhando pela perspectiva colectiva do país de origem, naturalmente que as questões são outras. A nível económico, a ameaça sempre presente do brain-drain, com a delapidação do capital humano e a perda constante dos investimentos feitos em educação e formação de quadros pode ser equilibrada pelas oportunidades geradas pelas remessas e pelo eventual brain-gain que, a prazo, pode resultar do regresso ao país de origem de imigrantes mais qualificados.

A nível social, o país de origem sente a ameaça da perda de capital social, com a destruturação de uma sociedade em sangria permanente. Sobressai o particular impacto nas famílias migrantes, que se tornam incompletas e, ainda que beneficiem das remessas, fragilizam-se com a ausência de um ou mais dos seus membros. Tem, no entanto, o país de origem, no outro prato da balança, o benefício que o papel da sua diáspora pode proporcionar, numa extensão da sociedade de origem à escala global, criando redes e fluxos sempre favoráveis ao seu desenvolvimento.

Finalmente, no contexto cultural, o país de origem pode enfrentar – pelo menos, teoricamente - a ameaça do efeito perverso na sua cultura dos “estrangeirados”, enquanto que do lado dos activos, assinala-se a difusão além-fronteiras da sua língua e da sua cultura, transportadas pelos imigrantes, como uma oportunidade relevante.

Como terceiro universo a ter em consideração, finalmente, consideremos o país de acolhimento. Poderemos considerar no plano económico que se verificam ameaças, principalmente no contexto da imigração irregular, ao verificar-se o reforço do ciclo vicioso da economia informal e, por outro lado, através do risco de dumping salarial, gerando reacções adversas dos seus cidadãos; pelo lado das oportunidades - que são muitas - sublinhe-se a disponibilidade de mão-de-obra complementar que cubra lacunas existentes no país. Esses trabalhadores imigrantes são normalmente sobrequalificados para as tarefas que desempenham e têm forte motivação para trabalhar, o que os torna de alto valor acrescentado. A sua capacidade empreendedora contribui igualmente para que a competitividade da economia beneficie significativamente com a sua chegada.

Da esfera social, as ameaças do desenvolvimento de guetos e das reacções xenófobas são realidades que devem ser tidas em conta, enquanto que, do lado das oportunidades, o contributo que a imigração pode dar, entre outros factores, para o equilíbrio demográfico, assim como para a sustentabilidade dos sistemas de segurança social, é muito importante.

Finalmente, no domínio cultural, os países de acolhimento vivem potencialmente no seu seio a ameaça do “choque de civilizações” mas beneficiam da oportunidade extraordinária da diversidade criativa, com expressão em todos os domínios da realidade humana.

Em síntese, uma boa política de migrações deve conhecer e combater as ameaças que se colocam ao desenvolvimento humano, evitando-as ou desmontando-as quando se afirmam, tendo consciência que são geradoras de medo e desconfiança e, por isso, fontes de hostilidade e violência.

Por outro lado, essa mesma política deve potenciar fortemente as oportunidades para o desenvolvimento humano, de todos e com todos os intervenientes no processo migratório, bem como de tornar visíveis os benefícios da mobilidade humana.

Este é o desígnio que está perante nós. Sermos capazes de estar à altura da esperança dos migrantes, das necessidades dos países de acolhimento e da protecção dos países de origem. É essa a tarefa que nos espera.