12 julho 2006

Diferenças que acrescentam - em defesa do bilinguismo

Poucas matérias geram, nas políticas de imigração, um debate tão intenso quanto o bilinguismo na educação dos descendentes de imigrantes. Divididos entre uma língua materna, com que convivem diariamente em casa, e a língua do país de acolhimento, onde vão ter que vingar, estas crianças são empurradas para uma certa “esquizofrenia” linguística que muito os perturba. Desde logo, porque percepcionam, no seu contexto envolvente, uma resistência à manutenção da sua língua materna, sobretudo quando se trata de um crioulo. Quer os pais, quer os educadores, partem do principio que só rejeitando a língua materna poderão aprender convenientemente a língua de acolhimento. Ora é esse pressuposto que se quer discutir neste projecto de educação para o bilinguismo.

É hoje assumido que o domínio de várias línguas representa uma vantagem competitiva num mundo global. Tem-se verificado mesmo a expansão ao primeiro ciclo do ensino de uma língua estrangeira – o inglês – por se reconhecer que tal opção traz evidentes vantagens para a educação das crianças. É certo que esta defesa se sustenta na vantagem futura de mobilidade e no potencial de sucesso profissional que muitas línguas maternas podem não ter. Também é evidente que esta aprendizagem de uma língua estrangeira não tem o mesmo impacto e complexidade que a manutenção de uma língua materna não coincidente com a do pais de acolhimento.

Ainda assim, importa ter consciência que a manutenção da língua materna garante, para estas crianças, um outro valor – igualmente relevante – representado pela manutenção de um vínculo positivo às origens familiares, valorizando-as e não as escondendo. Ninguém pode ser plenamente, anulando a sua história pessoal e familiar.
Neste sentido, o reconhecimento do valor académico de língua(s) materna(s) que têm “baixo estatuto social” é um contributo inestimável para a valorização identitária da própria comunidade de falantes.

É indiscutível que esta opção de fazer conviver duas línguas – a materna e a do país de acolhimento – levanta desafios de didáctica e de pedagogia, exige uma resposta diferenciada do sistema em relação a estas crianças e dá mais trabalho. Mas, cremos, os resultados serão mais positivos do que os produzidos pela solução castradora de anular a língua materna.

Há, portanto, que fazer um esforço consistente para que estas crianças aprendam bem a língua do país de acolhimento, para que aqui possam ter sucesso e obter plena integração, num quadro de igualdade de oportunidades em relação aos autóctones. Mas em simultâneo, e com igual empenho, há que valorizar a sua língua materna, vendo-a como uma vantagem e como um recurso cognitivo e não como um obstáculo no processo de aprendizagem.

Finalmente, esta abordagem reflecte a convicção da viabilidade da múltipla pertença, sem que tal queira dizer pertença incompleta a qualquer dos referenciais ou pertença contraditória. Não precisamos de viver num mundo de “ou”. Cada vez mais necessitamos de “e”. Num contexto de construção de uma sociedade intercultural, a defesa do bilinguismo tem todo o sentido e representa uma expressão concreta de respeito pela diversidade. Proporciona a cada uma destas crianças, descendente de imigrantes, a possibilidade de, simultaneamente, se sentir com um lugar pleno na sociedade de acolhimento e de manter o vinculo às origens. Essa dupla pertença, se bem gerida, representa a melhor via para uma identidade equilibrada e enriquecida, feita de diferenças que acrescentam.

1 comentário:

Anónimo disse...

Na prática, tudo se passa muito mais simplesmente. A criança adquiriu o contacto oral com a língua materna. Emprenha pelos ouvidos a língua do país de acolhimento. Nesta língua passa a responder aos pais que insistem em falar-lhe na língua materna. As duas línguas acabam por ficar, se minimamente alimentadas com leituras, televisão, ... ao longo da vida.
O que é mais perturbador é: em que língua se aprende a ler, a escrever? quem são os nossos antepassados (mes ancêtres, les gaulois)? quais são os rios e as montanhas que se aprendem de cor?

Como é que eu sei? Sou bilingue.