11 julho 2006

Responsabilidade individual e familiar dos imigrantes

Uma das mais notáveis figuras políticas actuais do mundo lusófono é, indiscutivelmente, o Ministro Vítor Borges, responsável pela pasta dos Negócios Estrangeiros e da Cooperação do Governo de Cabo-Verde. As suas intervenções públicas recentes, quer na Cidade da Praia, quer em Lisboa, mostraram uma sagacidade e um sentido político que vão muito além dos formatos conhecidos e pouco ousados, arriscando um discurso desalinhado e “politicamente incorrecto”.

Uma das dimensões mais marcantes do discurso de Vítor Borges é a assunção plena da importância da responsabilidade individual e familiar dos emigrantes – cabo-verdianos, no caso, mas aplicável a todas as comunidades – quer em relação à sociedade de origem, quer à sociedade de acolhimento. Ao invés de um discurso permanentemente desresponsabilizante e de vitimização constante que normalmente se ouve, Vítor Borges defende que, em grande medida, está nas mãos de cada imigrante e da sua família a determinação do seu futuro e que este depende de um apurado exercício de responsabilidade pessoal e familiar. Esta voz deve ser ouvida com muita atenção.

Com humildade, mas também com a autoridade moral de quem consome todos os seus dias na defesa intransigente dos direitos dos imigrantes na sociedade portuguesa, queremos juntar a nossa voz à do Ministro dos Negócios Estrangeiros cabo-verdiano. Se é fundamental - e continuaremos a fazê-lo sem esmorecimento, nem desistência – lutar contra todas as formas de discriminação e de xenofobia, importa também reforçar a afirmação da responsabilidade individual de cada imigrante, no cumprimento dos seus deveres para com a sociedade. Esse exercício reflecte-se seja no convívio de proximidade, no integração escolar, na protecção dos espaços públicos, na civilidade da gestão do ruído, na solidariedade para com a toda a comunidade, entre outros aspectos. Não devemos deixar-nos arrastar para uma visão perigosa que o contexto de desigualdade e de injustiça que muitas vezes atinge os imigrantes, justifica da sua parte uma imunidade às responsabilidades pessoais e sociais. Se é verdade que, algumas vezes, essa dinâmica de exclusão explica atitudes de irresponsabilidade e até violência, nunca as justifica. Nunca.

A força da razão e o justo capital de queixa não dispensam o exercício da responsabilidade individual de cada cidadão imigrante. Só dessa forma não se perderá toda a razão e se conquistará um lugar pleno na sociedade. Aliás, os extraordinários exemplos – a imensa maioria – de imigrantes e seus descendentes que, mesmo em contextos muito adversos, conseguem alcançar os seus objectivos, num quadro de exercício de responsabilidade individual e familiar, é disso evidência. Mas essa constatação só serve de reforço para esta afirmação: cada imigrante tem uma responsabilidade social a cumprir.

Quisemos incluir também nesta reflexão a responsabilidade familiar. Os progenitores imigrantes são, normalmente, verdadeiros heróis em busca de um futuro melhor para os seus filhos. Procuram incessantemente dar-lhes uma vida diferente daquela que tiveram. Não regateiam sacrifícios, trabalhando horas sem fim, em condições normalmente muito adversas, para lhes poderem proporcionar esse destino diferente. Mas essa opção tem, algumas vezes, um preço elevado a pagar, o mais elevado dos quais é a ausência da função educadora de país. Tal como muitas outras famílias não-imigrantes preocupam-se com dar “coisas”, mais do que dar educação. Esta exige presença, diálogo e acompanhamento dos filhos onde os pais são insubstituíveis.

Também o nosso Presidente da República, nas comemorações do dia 10 de Junho, reforçava este apelo ao exercício da responsabilidade individual por parte de todos os portugueses sublinhando que “Ser independente é ser responsável. E a responsabilidade implica ter uma noção clara e exigente dos direitos, mas também dos deveres, colectivos e individuais, sem o que a exigência e as críticas não serão respeitadas como devem ser”. E na mesma linha de raciocínio apelava à responsabilidade de recebermos bem os imigrantes que nos procuram: “Temos, além disso, o dever de acolher e integrar os que, no respeito das leis do País, nos procuram como nova fonte de esperança e oportunidade, os imigrantes que chegam de outros países dispostos a lutar por uma vida melhor. Temos de pensar a República como uma comunidade de destino e de futuro, feita de cidadãos livres e responsáveis.”

A concretização deste desafio de exercício da responsabilidade individual e familiar é o que fará de todos nós - imigrantes e não-imigrantes - cidadãs e cidadãos livres, respeitados e construtores de uma comunidade de destino, onde todos, sem excepção, tenhamos lugar. É necessário estar à altura dessa missão.

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