20 janeiro 2008

Somos capazes

Foi apresentado recentemente, em Bruxelas e em Lisboa, o Índex de Políticas de Integração de Imigrantes, num projecto apoiado pela Comissão Europeia. Neste estudo é feita uma análise comparativa entre as políticas de integração de 27 países europeus e do Canadá, considerando aspectos tão diversos como o acesso ao mercado de trabalho, reagrupamento familiar, anti-discriminação ou a participação política.

Nesse ranking, Portugal ficou em 2º lugar, depois da Suécia que ocupa o topo da tabela. Atrás de nós, seguem-se a Bélgica, a Holanda, a Finlândia e o Canadá e outros vinte e dois países. Sendo certo que não é tão habitual quanto gostaríamos estar entre os melhores, esta notícia talvez surpreenda alguns, levando os mais cépticos a pensar se não se terão enganado. A verdade é que, no contexto europeu, ficamos entre os três melhores exemplos de integração de imigrantes. Mas, que lições podemos retirar deste facto?

A primeira, na definição do mérito deste resultado alcançado, passa por ter presente que este sucesso é uma vitória colectiva. De Portugal e dos portugueses. Uma boa política de integração de imigrantes só pode ser construída em ambiente de largo consenso social e político, com a participação do Estado e das organizações da sociedade civil, bem como dos cidadãos nacionais e dos imigrantes. Portugal, ao longo dos últimos anos, tem dados passos muito significativos, quer no quadro legal, quer nas respostas operacionais, bem como nas iniciativas de carácter local. Com persistência e determinação, muitas pessoas – políticos, técnicos, jornalistas, dirigentes associativos.. - e instituições têm feito esse caminho. Inspirados pela ambição de acolher e integrar bem os imigrantes que nos procuram, alcançaram este resultado. A vitória é deles.

A segunda lição, é que somos capazes de estar entre os melhores. Não estamos condenados ao fatalismo de discutir os piores lugares da tabela, entre o último e o penúltimo. Se quisermos e nos esforçarmos, não temos nada a menos que qualquer outro povo. A excelência está ao nosso alcance. Basta fazer por isso.

Finalmente, a última nota é, talvez, a mais importante. É necessário ir além da alegria desta classificação. Ela não equivale à inexistência de problemas de integração dos imigrantes. Este momento deve servir para nos incentivar a ir mais longe. O facto de estarmos entre os melhores só aumenta a nossa responsabilidade de melhor acolher e integrar os imigrantes. O efectivo combate a todas as formas de discriminação e racismo, a luta contra a exploração laboral por alguns empregadores sem escrúpulos, a conquista da plena cidadania dos imigrantes na sociedade portuguesa são alguns dos desafios que estão presentes na sociedade portuguesa. Desafios aos quais estamos certos de poder dar uma resposta positiva, combatendo as injustiças e promovendo a coesão social. Fomos capazes de o fazer no passado. Seremos capazes de o fazer no futuro.

02 outubro 2007

Mobilidade humana: ameaça ou oportunidade para o desenvolvimento?

Devemos, à partida, clarificar alguns dos conceitos, pois no que se refere ao desenvolvimento, os equívocos são sempre muitos. Neste caso, falamos de desenvolvimento humano: pleno, integral, sustentável, justo e equilibrado. Que beneficie todos os homens e o Homem todo.

Esta ambição torna, naturalmente, muito mais complexa a análise da realidade, onde todas as simplificações são muito perigosas. Neste contexto do desenvolvimento humano, importa então olhar as migrações numa perspectiva multidimensional. Isso exige ser capaz de atender, para além da dimensão económica, à dimensão social e à dimensão cultural; requer partir da esfera individual (do migrante) mas não esquecer a esfera colectiva, representada quer pelo país de origem, quer pelo país de acolhimento.

Neste caminho estreito, as respostas dicotómicas raramente se aplicam.
Na complexidade, há poucos “OU”. Quase sempre temos que considerar os “E”. Assim é, neste domínio. Por isso, tomamos a liberdade de vos propor uma ligeira alteração no eixo de reflexão: Mobilidade humana – ameaças e oportunidades para o desenvolvimento.

Assim, proponho-vos uma matriz de análise que procura correlacionar três eixos diferentes. Como primeiro eixo, a Dimensão Económica / Cultural / Social; como segundo, Migrante / País Origem / Pais Acolhimento e, finalmente, como terceiro eixo, Ameaças /Oportunidades. Deste cruzamento, resultam 18 variáveis que teremos em consideração, ainda que em registo de breve flash.

Naturalmente, escolhemos como primeiro e primordial ponto de vista, o desenvolvimento humano na perspectiva do migrante. Assim, ao nível económico, o migrante enfrenta a ameaça do elevado preço a pagar pela entrada (por baixo) num mercado de trabalho desconhecido, bem como as consequências de um ciclo do empobrecimento, ainda que relativo. No reverso da medalha, o migrante tem a oportunidade de acesso a um emprego, uma perspectiva de maior remuneração e a possibilidade de poupar e remeter essas poupanças para a família.

A nível social, o migrante enfrenta recorrentemente as ameaças da intolerância e da exclusão, mas pode beneficiar de oportunidades que as redes co-étnicas proporcionam.

Na esfera cultural, o migrante seguramente terá que gerir a ameaça do choque cultural e do síndrome de Ulisses, bem como da aculturação, que o obriga, muitas vezes, a abdicar do seu referencial cultural para melhor se integrar. Mas pode também ter nesse mesmo património cultural, uma oportunidade de utilizar um recurso eficaz para afirmação na sociedade de acolhimento.

Mudemos agora de sujeito. Olhando pela perspectiva colectiva do país de origem, naturalmente que as questões são outras. A nível económico, a ameaça sempre presente do brain-drain, com a delapidação do capital humano e a perda constante dos investimentos feitos em educação e formação de quadros pode ser equilibrada pelas oportunidades geradas pelas remessas e pelo eventual brain-gain que, a prazo, pode resultar do regresso ao país de origem de imigrantes mais qualificados.

A nível social, o país de origem sente a ameaça da perda de capital social, com a destruturação de uma sociedade em sangria permanente. Sobressai o particular impacto nas famílias migrantes, que se tornam incompletas e, ainda que beneficiem das remessas, fragilizam-se com a ausência de um ou mais dos seus membros. Tem, no entanto, o país de origem, no outro prato da balança, o benefício que o papel da sua diáspora pode proporcionar, numa extensão da sociedade de origem à escala global, criando redes e fluxos sempre favoráveis ao seu desenvolvimento.

Finalmente, no contexto cultural, o país de origem pode enfrentar – pelo menos, teoricamente - a ameaça do efeito perverso na sua cultura dos “estrangeirados”, enquanto que do lado dos activos, assinala-se a difusão além-fronteiras da sua língua e da sua cultura, transportadas pelos imigrantes, como uma oportunidade relevante.

Como terceiro universo a ter em consideração, finalmente, consideremos o país de acolhimento. Poderemos considerar no plano económico que se verificam ameaças, principalmente no contexto da imigração irregular, ao verificar-se o reforço do ciclo vicioso da economia informal e, por outro lado, através do risco de dumping salarial, gerando reacções adversas dos seus cidadãos; pelo lado das oportunidades - que são muitas - sublinhe-se a disponibilidade de mão-de-obra complementar que cubra lacunas existentes no país. Esses trabalhadores imigrantes são normalmente sobrequalificados para as tarefas que desempenham e têm forte motivação para trabalhar, o que os torna de alto valor acrescentado. A sua capacidade empreendedora contribui igualmente para que a competitividade da economia beneficie significativamente com a sua chegada.

Da esfera social, as ameaças do desenvolvimento de guetos e das reacções xenófobas são realidades que devem ser tidas em conta, enquanto que, do lado das oportunidades, o contributo que a imigração pode dar, entre outros factores, para o equilíbrio demográfico, assim como para a sustentabilidade dos sistemas de segurança social, é muito importante.

Finalmente, no domínio cultural, os países de acolhimento vivem potencialmente no seu seio a ameaça do “choque de civilizações” mas beneficiam da oportunidade extraordinária da diversidade criativa, com expressão em todos os domínios da realidade humana.

Em síntese, uma boa política de migrações deve conhecer e combater as ameaças que se colocam ao desenvolvimento humano, evitando-as ou desmontando-as quando se afirmam, tendo consciência que são geradoras de medo e desconfiança e, por isso, fontes de hostilidade e violência.

Por outro lado, essa mesma política deve potenciar fortemente as oportunidades para o desenvolvimento humano, de todos e com todos os intervenientes no processo migratório, bem como de tornar visíveis os benefícios da mobilidade humana.

Este é o desígnio que está perante nós. Sermos capazes de estar à altura da esperança dos migrantes, das necessidades dos países de acolhimento e da protecção dos países de origem. É essa a tarefa que nos espera.

23 agosto 2007

Futebol intercultural

Começou mais uma Liga de futebol. Esta edição afirma, de uma forma inequívoca, uma tendência em que o futebol se define, através dos seus principais actores, como um fenómeno global, sem fronteiras e fortemente internacionalizado. Cada campeonato de futebol na Europa – não fugindo Portugal à regra – vê competir no seu seio equipas multinacionais, compostas por jogadores de todo o Mundo. Cada clube é, de certa maneira, uma selecção mundial de valores futebolísticos, consoante a capacidade financeira e de selecção de talentos de cada equipa dirigente, não importando a sua origem nacional ou étnica. Assim, a edição de 2007/2008 da Liga portuguesa tem inscritos 215 atletas estrangeiros, que representam 52% do total de jogadores este ano. Provêem de 39 países diferentes, de quatro continentes e falam 17 línguas diferentes.

Destacam-se neste cenário, entre outros, o Boavista com 14 nacionalidades na mesma equipa, incluindo jogadores do Liechtenstein, Mali, Nigéria, Áustria ou França. Também o Benfica regista dez nacionalidades de quatro continentes, juntando um chinês com norte-americano ou um paraguaio com costa-marfinense. Este cenário faz do futebol um dos mais interessantes terrenos do diálogo intercultural. A partir das diferenças de línguas e de culturas, cada conjunto heterogéneo de jogadores vai ter de se transformar numa Equipa. Criar unidade a partir da diversidade. Jogar articulado em função de um objectivo comum. Viver em regime de interdependência, onde ninguém vence sozinho. Não há melhor metáfora do que a que nos espera no futuro próximo. O futebol é, neste aspecto, um laboratório das novas sociedades.

Há, naturalmente, outro eixo desta realidade. Também não há fronteiras para os jogadores – e treinadores – portugueses, estando muitos dos nossos melhores espalhados por vários clubes no estrangeiro, também em equipas fortemente multiculturais. Quando olhamos a nossa selecção nacional, verificamos que 2/3 dos jogadores não jogam em Portugal. Com vantagens evidentes para eles e para todos nós. Não só afirmam o nome de Portugal nos vários campeonatos onde vingam (basta pensar em Ronaldo ou Ricardo Carvalho em Inglaterra) como adquirem uma experiência internacional que os faz desenvolver fortemente as suas capacidades. E dessa evolução tem beneficiado, nomeadamente, a nossa Selecção.

Alguns mais ‘nacionalófilos’, seguidores de uma desfasado sentimento de ‘orgulhosamente sós’, contestam esta tendência, preferindo uma versão mais paroquial do campeonato nacional. Estão no seu direito, mas em contramão com o curso da História. As nossas sociedades serão cada vez mais multiculturais como consequência de uma forte mobilidade humana. Encontraremos a diversidade cultural e étnica como regra e vamos ter de a saber gerir. A globalização também se impõe no futebol, como em toda a sociedade. E se a soubermos gerir, tiraremos grandes benefícios dela.

18 abril 2007

Acolher e integrar através da Escola

Portugal tem vindo a tornar-se progressivamente num país de acolhimento de imigrantes. E com eles, vão chegando à nossa sociedade os seus descendentes, através do reagrupamento familiar ou do natural desenvolvimento das famílias. Este novo panorama multicultural na sociedade portuguesa e, particularmente no nosso sistema educativo, representa um enorme desafio para todos os protagonistas, para o qual somos todos convocados.

Para lhe dar a justa resposta será bom que comecemos por ter consciência de algumas vulnerabilidades específicas que estas crianças e jovens experimentam.

O primeiro desafio que importa sublinhar é o conflito identitário. Entre a pertença à pátria/cultura dos seus progenitores (com a qual têm muitas vezes laços ténues) e a pertença à terra onde nasceram ou para a qual vieram muito novos (mas que não os reconhece como seus), estabelece-se uma tensão difícil de resolver que é ainda agravada pela crescente filiação a outra referência, sobretudo cultural, de uma pátria terceira, distinta da dos progenitores ou da de acolhimento. Este apelo a uma potencial tripla filiação leva a um conflito identitário que se reflecte de diferentes formas, seja em movimentos de desintegração social, em relação à sociedade de acolhimento, seja em recusa de adesão à cultura dos progenitores ou ainda através da assunção radicalizada de sub-culturas importadas.

Neste processo de crise é muito penalizadora a repulsa que estas crianças e jovens sentem, desde os primeiros anos, por parte da sociedade de acolhimento. Mesmo tendo nascido em Portugal e sempre aqui permanecido, nunca são adoptados plenamente, nem pelos concidadãos, nem pelo Estado. Particularmente em relação às comunidades africanas essa exclusão desde o berço não pode deixar de influenciar profundamente o sentimento de pertença e de identidade destas crianças. As defesas que algumas encontram, por vezes agressivas e incompreensíveis para a sociedade maioritária, têm a sua raiz muitos anos antes da sua expressão. Uma identidade rebelde é, nestes casos, um grito de alma – desajustado e desadequado - de quem se sentiu abandonado e posto à margem e que levará muito tempo a desconstruir e a anular. Ao mesmo tempo, a expressão dessa identidade rebelde é factor de reconhecimento inter-pares, dentro do grupo de referência, e de remuneração afectiva que estimula uma auto-estima quase sempre inexistente. Estranhamente - para o mainstream - esse mecanismo do “quanto pior melhor”, de violência sem móbil e de espiral em direcção a um abismo constitui-se, com uma lógica muito própria, como auto-justificação suficiente. Perante ela, saibamos reconhecer onde está a sua origem e não nos deixemos impressionar só pelo seu efeito.

Ao invés, uma outra dimensão importante para a estruturação destas identidades passa pelos modelos de referência positivos emanados da própria comunidade. Os casos de sucesso poderiam ter na “comunidade imaginada” um efeito extraordinário de motivação e de emulação. O desporto, em particular o futebol, e a música tem sido os espaços preferenciais de casos de sucesso. Mas seria importante que também a ciência, as profissões liberais, o mundo financeiro, a política ou a cultura fossem também espaços de afirmação de jovens de segunda geração na sociedade de acolhimento.

Se a questão do conflito identitário é específico das crianças e jovens descendentes de imigrantes, a exclusão social não o é, pois toca a crianças e jovens autóctones com igual severidade. Só que em relação às crianças e jovens descendentes de imigrantes é mais uma parcela a somar na conta das desvantagens comparativas.

Fruto da pobreza e de uma vida particularmente difícil, estas famílias lutam em condições profundamente adversas, entre emprego precário, salário baixo e incerto e horário de trabalho alargado por um futuro que muitas vezes lhe foge, apesar desse sacrifício. A pobreza gera, assim, exclusão social e esta pode atingir níveis trágicos de profunda ofensa à dignidade humana. Por exemplo, o simples facto de os pais começarem a trabalhar muito cedo e não existir nos seus bairros de residência suficiente rede de apoio pré-escolar, faz com que muitas destas crianças fiquem sozinhas, “fechadas na rua”, desde idades mínimas, não sendo improvável encontrar em alguns destes bairros crianças de três e quatro anos sozinhas na rua, durante todo o dia. Este facto só pode ter um resultado devastador.

Um outro nível a ter em consideração é a sensibilidade extraordinária destas famílias às crises sociais e económicas. São elas que estão na primeira linha dos que são atingidos pelo desemprego ou pelos salários em atraso quando chegam os tempos difíceis. As alternativas rareiam e as consequências são muito funestas: destabilização familiar, incentivo ao abandono escolar, comportamentos desviantes,..

Por outro lado, os espaços residenciais ao alcance destas famílias são os mais desqualificados, com habitações precárias, espaços verdes e de lazer inexistentes, equipamentos sociais incipientes, maus acessos e transportes deficientes. Muitas vezes guetizados, estes espaços sub-urbanos constituem a paisagem à nascença para estas crianças. Apesar de progressivamente virem a desenvolver um paradoxal sentimento de protecção dentro do bairro, no qual se começam a encerrar, todo o contraste com o mundo circundante é muito marcado. As comparações são inevitáveis e as crianças têm muito maior dificuldade em aceitar como inevitáveis e “normais” as desigualdades no Mundo.

Uma outra expressão deste contraste e desta tensão verifica-se ao nível do consumo. Estas crianças e jovens são “bombardeadas” como todas as outras – aí não há diferença – com os múltiplos apelos ao consumo. Difere, no entanto, o poder de compra. O baixo nível de vida liberta poucos recursos para o consumo de bens não essenciais e estas crianças e jovens confrontam-se com a permanente frustração de não aceder a esses bens, que acumula com todo o restante passivo. É, nesse contexto, significativo que a pequena criminalidade infanto-juvenil que se gera nestes meios tem como móbil prioritário nos objectos a furtar, roupa de marca, telemóveis, sapatos de ténis de marca... remetendo sempre para esse imaginário de sociedade de consumo sempre imposta e nunca alcançada.

No seio destes ambientes de exclusão social, florescem redes de actividades ilegais mais pesadas, que sabem que aí se encontram condições favoráveis para aliciamento de jovens – e menos jovens - que estão à margem, sem horizonte, nem esperança. Espantosamente, a maioria consegue resistir e tem carácter e coragem para, contra todas as adversidades, não seguir esse caminho aparentemente mais fácil. Só que alguns não resistirão e serão recrutados para essas indústrias do mal.

Queremos sublinhar que não partilharmos de uma visão sistémica em que tudo depende do ambiente e dos sistemas em que o indivíduo se encontra inserido e, por isso, tudo lhe deve ser desculpado, desde que se prove esse contexto adverso. Há sempre uma capacidade de autodeterminação pessoal e resiliência que permite na maioria destas crianças e jovens extraordinários trajectos de vida. Mas não podemos ignorar que nós somos “nós e as nossas circunstâncias”.

No desfazer de equívocos, importa repetir que o que até agora se descreveu resulta da exclusão social por mecanismos socio-económicos que nada têm a ver com a origem nacional ou étnica das comunidades atingidas. Todos eles são válidos para crianças e jovens autóctones em igualdade de circunstâncias e verificam em diferentes cidades do nosso país.

Descrito um sumário diagnóstico de algumas desvantagens das crianças e jovens descendentes de imigrantes importa agora sublinhar o potencial que a Escola pode representar para contrariar estas vulnerabilidades.


A Escola inclusiva

A Escola pode cumprir um papel extraordinário na boa integração destas crianças e jovens e, através deles, das suas famílias. É uma das novas variantes da missão de tornar a Escola permanente e universalmente inclusiva.

Neste contexto, a configuração multicultural de muitas das nossas Escolas coloca assim um novo desafio para o qual o sistema educativo não está, em geral, devidamente preparado e que se acrescenta a outros que atingem globalmente este sistema. A gestão da diversidade, associada a uma quase sempre presente situação de exclusão social de muitas destas crianças provenientes de comunidades minoritárias, representa uma vivência partilhada por muitas escolas e seus professores, que se vêem forçados a novas estratégias e novas abordagens. Estigmatizadas muitas vezes como “Escolas-problema” a evitar, são também – muitas delas – extraordinários exemplos de respostas inovadoras. Assim, os docentes enfrentam o desafio de alargar a sua formação para a interculturalidade, devendo ser incentivados a que conheçam a especificidade sócio-cultural dos seus alunos, bem como para que estabeleçam estratégias pedagógicas adequadas a esta diversidade que inclua o reforço da relação estreita com o contexto familiar destes alunos. Convergindo com este esforço, é fundamental a criação e distribuição de materiais pedagógicos de suporte à educação intercultural e anti-racista.

É seguramente muito importante que se faça da diversidade uma oportunidade de aprendizagem ao ritmo de um mundo global, partilhando tradições e traços culturais, competências e saberes. Os projectos educativos devem saber integrar na dinâmica da sala de aula - e fora dela - essa diversidade presente nos seus alunos. Mas, ao mesmo tempo, devem cultivar a evidência do nosso património comum enquanto humanos, que em tudo nos aproxima apesar das diferenças. Na Escola deve ser possível aprender a diversidade na unidade.

Às crianças, filhas de imigrantes, deve ser viabilizado não só o acesso à educação, em igualdade de circunstâncias com as outras crianças, como devem ser desenvolvidas acções positivas que reduzam algumas desvantagens contextuais que estas crianças enfrentam. Uma delas, talvez a mais relevante, passa pelo reforço, desde os primeiros anos de vida, da aprendizagem da língua em que vai fazer o seu processo educativo. As dificuldades de aprendizagem e níveis de insucesso escolar evidenciados por algumas crianças imigrantes, radicam na sua dificuldade de entender e se expressar na língua do país de acolhimento. Mas se estas dificuldades forem vencidas, para além do sucesso escolar, estas crianças e jovens proporcionam a primeira e privilegiada ponte linguística da sua família com a sociedade maioritária. Muitas vezes, é com eles e através deles que os pais aprendem e comunicam.

Uma outra acção positiva a desenvolver, no caso de crianças que chegam ao país de acolhimento já em pleno processo de escolarização, passa por apoiar a criança no seu “choque cultural” com um novo sistema de ensino que pode ser substancialmente diferente do que conheceu no seu país de origem, bem como apoiá-la a ultrapassar a saudade e a quebra de laços afectivos. A sua integração nas dinâmicas escolares deve ser estimulada e acompanhada e a experiência de que é portadora deve ser valorizada junto dos colegas e representar ela própria um recurso para a educação intercultural e a formação para a diversidade.

A Escola não deveria aceitar, sem uma incansável luta, a perda de muitas destas crianças, por via do absentismo e do abandono escolar. Cada vez que isso acontece é toda a sociedade que é derrotada. A particular atenção, desde a chegada da criança à escola, à redução das suas desvantagens competitivas que começam na frágil rede de suporte familiar, na habitação que não dispõe de condições necessárias para que possa estudar quando chega a casa, na ausência de materiais de apoio escolar, ou ainda nas carências básicas na alimentação, deve motivar fortemente toda a comunidade escolar. Como em relação a crianças portuguesas em iguais circunstâncias sociais, a Escola deve ser capaz de dar uma resposta precoce a estas limitações, não esperando que surjam os sinais de desintegração e de insucesso. Ao investimento colocado em sala de aula deve somar-se outro pelo menos tão relevante em relação ao tempo extra-lectivo em que uma Escola inclusiva pode dar ainda muito a estas crianças. O estudo acompanhado, o apoio psicológico e social, o apoio em material de apoio pedagógico, nomeadamente através de empréstimos da biblioteca escolar, são alguns dos exemplos. O regime de tutoria que quer o director de turma, quer outros membros da comunidade escolar devem desenvolver junto destas crianças pode ser também um importante elo de ligação. Nesta missão, a Escola deve ser capaz de trabalhar em rede com outras instituições da comunidade – autarquias, associações, clubes desportivos,.. – de forma a potenciar uma acção integrada e extensiva que atinja elevada eficácia tendo em vista o combate à exclusão.

Para as crianças descendentes de imigrantes, a Escola deve ser também um tempo e um espaço onde se exercita a Educação para a cidadania, expressa entre outras formas, pelo apelo à sua plena participação cívica, política e social na sociedade de acolhimento, sem discriminação, nem anulação da sua identidade própria. È na escola que se começará a ganhar ou se perder um cidadão(ã) de pleno direito.

Para a boa inserção destas crianças nas Escolas, pode ser útil e adequada a existência de mediadores socio-culturais, provenientes da própria comunidade de origem ou da comunidade maioritária, que funcionem como facilitadores e interfaces que quebrem isolamentos ou desfaçam equívocos resultantes de desconhecimento mútuo entre estas crianças e o sistema. Com o cuidado necessário para que não representem um papel contraproducente, que acentue as diferenças e que perpetue conflitos, os mediadores podem - nomeadamente em relação ao momento da chegada destas crianças à Escola, bem como em situações de crise - exercer a sua função de mediação, com bons resultados.

Mas também importa reforçar a responsabilidade familiar. Os progenitores imigrantes são, normalmente, verdadeiros heróis em busca de um futuro melhor para os seus filhos. Procuram incessantemente dar-lhes uma vida diferente daquela que tiveram. Não regateiam sacrifícios, trabalhando horas sem fim, em condições normalmente muito adversas, para lhes poderem proporcionar esse destino diferente. Mas essa opção tem, algumas vezes, um preço elevado a pagar, que é, muitas vezes, a ausência da função educadora de pais. Tal como muitas outras famílias não-imigrantes preocupam-se com dar “coisas”, mais do que proporcionar Educação. Esta exige presença, diálogo e acompanhamento dos filhos onde os pais são insubstituíveis.

No domínio da construção da Escola intercultural, o Secretariado Entreculturas tem vindo, através de acções de formação, da edição de materiais pedagógicos, da realização e participação em seminários e congressos, ou da participação em projectos internacionais, a dar uma excelente resposta ao longo dos últimos anos. Este modelo, estabelece, nomeadamente, “um lugar significativo às diferentes tradições culturais e religiosas em todos os programas escolares, nos materiais pedagógicos, no calendário e na decoração escolares, bem como procede a autocrítica constante relativamente às práticas que conduzem determinadas categorias de alunos ao insucesso e a percursos menos valorizados” . Acresce ainda que valoriza a participação igualitária de todos os alunos e assume um papel contra o racismo.

Num outro modelo de intervenção, o Programa Escolhas , em funcionamento desde 2001, com um modelo renovado em 2004 e 2006, tem representado também um importante investimento do Estado português. Com 120 projectos no terreno, envolvendo 40.000 crianças e jovens, este Programa visa o desenvolvimento pessoal das crianças e dos jovens mais vulneráveis, com particular atenção para os descendentes de imigrantes em Portugal, tendo como fim a promoção da sua integração social na comunidade onde se inserem. Fá-lo através de iniciativas diversificadas (apoio escolar, apoio à inserção profissional, ocupação de tempos livres, inclusão digital, inclusão na sociedade de acolhimento) estruturadas a partir das necessidades sentidas pelas comunidades e pelos próprios jovens, com a lógica de projecto. Estas iniciativas visam a criação de reais oportunidades de inclusão no sistema educativo e de formação, a afirmação de um horizonte de futuro, o estimulo a um sentido de pertença e filiação social, uma cultura de auto-estima e o combate a todas as formas grosseiras ou subtis de exclusão.

De grande significado foi também a recente alteração da Lei da Nacionalidade. Em relação aos descendentes de imigrantes que nasceram em Portugal abrem-se múltiplas hipóteses de acesso à nacionalidade portuguesa: desde logo, por via originária automática, para os descendentes de 3ª geração; por via originária por efeito da vontade, para 2ª geração, com pelo menos um dos progenitores com cinco anos de residência legal no nosso país, independentemente do tipo de título que possuem. Mas as possibilidades para as crianças nascidas em Portugal não se esgotam nestas possibilidades. Por naturalização, abrem-se possibilidades de aceder à nacionalidade portuguesa a crianças que tenham nascido em Portugal e que completem o 1º ciclo do Básico, qualquer que seja o estatuto legal dos progenitores. Antes dessa fase ainda pode ser pedida a naturalização, se entretanto um dos progenitores completar cinco anos de residência legal.

Esta é, aliás, uma das alterações mais relevantes: a contagem dos cinco anos de residência legal de pelo menos um dos progenitores ser referenciado não ao momento do nascimento mas ao do pedido de naturalização.

Estes exemplos concretos, dentro e fora do sistema educativo, representam evidências de que é possível dar passos seguros para a inclusão social de crianças e jovens descendentes de imigrantes. É, no entanto, uma tarefa de todos, com particular responsabilidade para os protagonistas do sistema educativo. Aliás, muitos professores souberam dar ao longo dos últimos anos um exemplo notável, com escassos recursos e muita imaginação e dedicação para que as crianças descendentes de imigrantes fossem bem acolhidas nas nossas escolas. Há que continuar nessa linha, desde o jardim de infância até à idade adulta. A coesão social numa sociedade mais justa e com verdadeira igualdade de oportunidades, depende também desta aposta.

10 abril 2007

Novas portuguesas

Diversidade e Identidade Nacional na União Europeia:

O debate europeu sobre diversidade e identidade nacional está actualmente marcado por importantes tensões. Particularmente, sob fogo cerrado, tem estado o multiculturalismo que, de conceito em moda, se transformou em ideia proscrita.

Com efeito, especialmente depois dos atentados em Londres e dos assassinatos de Fortuyn e Van Gogh na Holanda, dizem as vozes autorizadas que o multiculturalismo faliu e que nada mais há a esperar de uma visão que considera a diversidade como estruturante e identitária. Alguns vão mesmo mais longe e também conseguem ver nos tumultos juvenis em França outra falência do multiculturalismo, ainda que tal modelo nunca tenha existido na sociedade francesa.

A crítica do multiculturalismo saltou assim para a agenda pública, como se nele residisse também a causa do novo terrorismo internacional ou das tensões étnico-culturais na Europa. Nessa crítica, destaca-se o argumento que as sociedades ocidentais são excessivamente tolerantes e permissivas na aceitação no seu seio da diferença cultural e religiosa, deixando até medrar radicalismos que lhe são hostis.

Importaria, segundo esta perspectiva, recuar nessa abertura e estabelecer outros referenciais mais fechados e, presume-se, mais uniformes em termos religiosos e culturais. Alguns acreditam ser desejável uma renovada hegemonia cultural ou religiosa, como movimento antagónico ao pluralismo dominante e, particularmente, às suas expressões mais perturbantes. Ainda que começando só pela afirmação da necessidade de um núcleo comum de valores, em torno dos quais se desenvolva uma coesão social, a sua ambição evidencia muito mais do que isso. Nasce assim um neo-assimilacionismo, revisto e aumentado.

Os discursos sobre os “valores ocidentais” que então emergem, bem como a recuperação da valorização da matriz grego-judaico-cristã da Europa, surgem, muitas vezes, não como expressões de uma convicção profunda nesse referencial mas como expedientes defensivos para barrar o caminho às ameaças percepcionadas. Esta tendência tem vindo a consolidar-se entre o “politicamente correcto” como se fosse inevitável e urgente. Ora tal leitura é precipitada e perigosa.

Ainda que se tente dissimular, o que perturba os europeus não é o multiculturalismo em si, mas as provocações que uma leitura minoritária, radical e pervertida do Islão – os salafistas jihadistas - tem colocado nos últimos anos. Centremos aí o início da questão. É importante perceber que não é a diversidade cultural que essencialmente está em causa, mas o radicalismo fora-da-lei.

Só que a forma inábil com que temos lidado com esta questão teve como efeito indesejado uma terrível espiral que está ainda em expansão. A partir de uma energia de activação – um atentado, um motim, uma declaração radical... - desencadeou-se um processo destrutivo da coesão social que assume consequências incomparavelmente maiores do que o impacto inicial.

O enquadramento escolhido, a generalização e essencialização dos protagonistas, o enviesamento provocado pelos critérios de noticiabilidade empurram-nos para o que queríamos evitar. Esse fenómeno gera efeitos colaterais de desconfiança e de estigmatização que são terríveis e provocam grandes estragos.

Com toda a ingenuidade do mundo, de certa forma, temos feito o jogo dos extremistas, dando-lhes de barato uma vitória que, pelos seus próprios meios, jamais estaria ao seu alcance. Com os nossos erros, ajudámo-los no seu ambicionado choque de civilizações. Este para vingar, entre outras condições, precisa de destruir a convicção de que é possível uma sociedade multicultural. E também aí arriscamo-nos a fazer o seu jogo.

O multiculturalismo faliu?

Assim, a contra-ciclo, importa questionar algumas certezas do momento, nomeadamente esta falência do multiculturalismo.

Comecemos por apontar alguns equívocos. De que falamos, quando nos referimos a “multicultural”? Olhamo-lo sobretudo como adjectivo de uma política ou como traço caracterizador de uma sociedade? Não é de somenos importância esta nuance.

As tecnologias de informação e comunicação, a mobilidade humana, os meios de comunicação planetários ou uma economia de redes e fluxos empurram-nos para uma estrutura social marcada pela diversidade, sempre presente em tudo e em todos. Acrescenta-se a esta equação, a consolidação, no mundo ocidental, do pluralismo como valor em si mesmo e da liberdade individual como afirmação constitutiva e estruturante das nossas sociedades.

A percepção de que estas transformações nos trouxeram, inexoravelmente, uma sociedade multicultural é fundamental, para que percebamos que não é sequer viável discutir se queremos, ou não, uma sociedade multicultural. “Sociedade” é hoje sinónimo de “multicultural”. É um facto incontornável. Não laboremos, portanto, num equívoco. Não se trata de uma opção que esteja ao alcance das nossas vontades.

Mas se olharmos para o multicultural enquanto política de gestão da diversidade cultural aí já estamos num domínio de uma opção entre várias, tipicamente arrumadas entre o assimilacionismo, o segregacionismo e o multiculturalismo.

Enquanto política também o multiculturalismo é vítima de equívocos. O principal é gerado, desde logo, por se tornar uniforme aquilo que é plural. Não há uma “política multicultural”, mas sim uma variedade de experiências, muito diferentes entre si, ainda que possam todas elas partilhar a mesma marca. Mas é evidente que o comunitarismo inglês é substancialmente diferente do multiculturalismo canadiano e este, por sua vez, tem pouco a ver com as experiências multiculturais holandesa ou sueca.

Destas confusões decorre que, muitas vezes, se define mal “multiculturalismo” e se lhe atribui injustificadamente características que não lhe são intrínsecas. O caso típico é a associação da política multicultural a uma expressão de relativismo absoluto, onde tudo é possível e igual. Ora, esta leitura é falaciosa.

Tomando a Austrália como exemplo, o modelo multicultural exige a aceitação das estruturas e princípios básicos da sociedade australiana, incluindo a Constituição e o quadro legal vigente, tolerância e igualdade, democracia parlamentar, liberdade de expressão e de religião, inglês como língua nacional, igualdade de sexos, e obrigação de aceitar que os outros expressem os seus valores. Por seu lado, no Canadá, entre os três objectivos essenciais do multiculturalismo está a unidade nacional (para além da igualdade e a participação social). Portanto, enganam-se aqueles que julgam ver no modelo multicultural genuíno, o expoente máximo do laxismo e a origem da falta de coesão social. Para lá da Lei, não há multiculturalismo.

Mas se quisermos encontrar elementos comuns nas definições de multiculturalismo descobriremos a aceitação e legitimação da especificidade cultural e social de minorias, acreditando que indivíduos e grupos podem estar plenamente integrados numa sociedade sem perderem a sua especificidade, atribuindo ao Estado um papel muito importante na construção do modelo. Defende-se, neste contexto, a oportunidade de expressar e de manter elementos distintivos da cultura étnica, especialmente língua e religião, a ausência de desvantagens sociais e económicas ligadas a aspectos étnicos, a oportunidade de participar nos processos políticos, sem obstáculos do racismo e discriminação e o envolvimento de grupos minoritários na formulação e expressão da identidade nacional.

Esta dimensão de igualdade de direitos e de deveres é fundamental, pois sem ela uma política multicultural pode ser perigosa. Bem como é essencial sublinhar que o combate às desigualdades socio-económicas que se sobrepõem à diversidade etnocultural deve ser estruturante das sociedades democráticas. A coincidência da exclusão socio-económica com o estatuto de minoria etnocultural pode ser fonte de inúmeros equívocos e rastilho de muitas explosões.

Numa outra dimensão, acresce ainda que cada um dos modelos nacionais de política multicultural é dinâmico e uma leitura desactualizada é fonte de novos equívocos.

Por exemplo, o modelo multicultural canadiano tem sofrido uma evolução onde se evidenciam três etapas : de uma fase inicial, nos anos 70, onde destacam a sua dimensão étnica, com a metáfora do mosaico cultural a guiar a sua construção, para uma etapa posterior, nos anos 80, onde o discurso se centra na equidade, concretamente na igualdade de oportunidades, usando como metáfora a "nivelação" até finalmente nos anos 90 se chegar ao multiculturalismo cívico, onde se sublinha sobre tudo o combate à exclusão social, por via da inclusão e se utiliza a metáfora da "pertença". Este foco na construção de uma sociedade inclusiva, onde se apela a uma cidadania plena de todos os cidadãos, sem que devam abdicar dos seus traços distintivos representa um forma muito distante do modelo criticado de fragmentação e de "ilhas sem pontes" que os adversários do multiculturalismo apontam.

Dito isto, importa assumir que as experiências de políticas multiculturais estão longe de ser perfeitas e têm um longo caminho de aperfeiçoamento a percorrer. Este exemplo das fases do multiculturalismo canadiano é bem ilustrativo desse desafio. Provavelmente, a incapacidade em alguns países europeus de fazer evoluir esta política, leva-nos a transformar o multiculturalismo, no dizer de Amartya Sen, numa “pluralidade de monoculturas separadas”. Ora aqui se define a questão nuclear e o factor crítico de sucesso do multicultural: o transformar-se em “Intercultural”. O passar da simples afirmação e reconhecimento da existência de um arquipélago de diferentes realidades culturais para o foco nas “pontes” e nas consequências daí decorrentes, nomeadamente a polinização cruzada e a miscigenação.


A defesa de um modelo intercultural na gestão da diversidade


Portugal tem afirmado a sua opção de gestão da diversidade cultural, nomeadamente no acolhimento e integração de imigrantes, através de um modelo intercultural, que deriva das políticas multiculturais e as aperfeiçoa.

O seu foco essencial é, numa sociedade multicultural, reforçar o sentido de pertença e a construção participada de uma comunidade de destino, partindo do respeito mútuo pela diversidade, considerada um valor em si mesmo.

Mais do que uma co-existência pacífica de diferentes comunidades e indivíduos, o modelo intercultural afirma-se no cruzamento e miscigenação cultural, sem aniquilamentos, nem imposições. É uma dinâmica interactiva e relacional. Muito mais do que a simples aceitação do “outro” a verdadeira tolerância numa sociedade intercultural propõe o acolhimento do outro e transformação de ambos com esse encontro, decorrendo daí um novo “Nós”. Sempre plural, mas também coeso.

Nessa linha, em 2001, a UNESCO, através da sua Declaração Universal da Diversidade Cultural sublinhava que “em sociedades cada vez mais diversificadas, torna-se indispensável garantir uma interacção harmoniosa entre pessoas e grupos com identidades culturais a um só tempo plurais, variadas e dinâmicas, assim como a sua vontade de conviver. As políticas que favoreçam a inclusão e a participação de todos os cidadãos garantem a coesão social, a vitalidade da sociedade civil e a paz.”.

Esta abordagem da interculturalidade aceita também o princípio da múltipla pertença/filiação, evitando situações em que alguém seja obrigado a optar por uma pertença contra outra. Como consequência prática, ao mesmo tempo que a consolidação da sua presença na sociedade de acolhimento corresponderá, em situações normais, a uma progressiva adaptação e identificação com ela, deve ser respeitada a ligação à sua cultura ancestral, que evite uma ruptura na sua vida.

Essa ligação pode evidenciar-se, num exercício individual, livre e autónomo, na oportunidade de ensino da língua e cultura materna aos seus filhos, a celebração da memória, em expressões culturais e artísticas ou ainda na manutenção do convívio, mais ou menos estruturado, com seus os conterrâneos radicados na mesma sociedade de acolhimento. Estas expressões devem ter uma janela de exposição para a sociedade de acolhimento, nomeadamente na arte e na cultura, que reforce a auto-estima dos seus protagonistas bem como consolide o conhecimento e o afecto que a sociedade de acolhimento deve nutrir pelas comunidades migrantes que nela se instalam.

Note-se, para que não restem dúvidas, que a política intercultural desenvolve-se sempre e só no quadro dos Direitos Humanos, da Democracia, do Estado de Direito com o primado da Lei. Do lado das obrigações, mas também dos direitos. Mas não admite que existam uns “mais iguais que outros”, nem assume a Lei como algo de cristalizado e imutável. É certo que não abdica que as transformações sociais, codificadas na Lei, devem ser democráticas e fruto da plena participação. Mas esta visão defende intransigentemente que todos devem participar nesta transformação, em igualdade de circunstâncias, e que evoluções são possíveis.

Nesse contexto, um aspecto crítico para o sucesso de uma politica intercultural que cultive o sentido de pertença é participação política dos imigrantes na sociedade de acolhimento. Portugal, como outros países, permite já a participação politica ao nível local, ainda que condicionada ao princípio da reciprocidade, o que viabiliza a participação de cerca de 50% dos imigrantes residentes. Ainda assim é necessário ir mais longe. Esta maior abertura está em discussão em Portugal, passando pela possibilidade da supressão do princípio da reciprocidade e, mais tarde, pelo alargamento da participação política a todos os níveis para os residentes de longa duração. Este caminho de alargamento da participação política é, na nossa perspectiva, fundamental para permitir aumentar o seu sentido de pertença, partilhando direitos e responsabilidades na construção de um futuro comum. Só através da plena participação política será possível canalizar adequadamente a representação dos interesses legítimos da população imigrante, através do sistema partidário existente, no quadro de uma democracia representativa. Por outro lado, só essa participação co-responsabiliza os eleitores de origem imigrante nas escolhas políticas feitas – também – por si.

A opção intercultural é, de todas as políticas de gestão da diversidade cultural, a mais exigente: necessita, para o seu desenvolvimento, de convicção, investimento, negociação e transformação mútua.

Neste contexto, o desafio que se coloca à redefinição da identidade nacional em Portugal é uma enorme oportunidade. Precisamos de nos rever e de saber reler a nossa identidade. Ao fazê-lo, no caso português, encontraremos seguramente uma identidade de fusão, com uma rede de estradas que se foram cruzando desde a sua origem até a actualidade, na imagem de Malouf. E se assim definida a nossa identidade nacional, nela encaixará perfeitamente a diversidade deste novo “Nós”. Seremos, por isso, um país cheio de sorte, reencontrados com a nossa identidade de sempre e capazes de construir uma comunidade de destino que seja intercultural, coesa e com futuro.

Nos 50 anos do Tratado de Roma

A Europa vive uma encruzilhada difícil nas suas políticas de imigração. O desconforto e a sensação de ameaça, a atitude defensiva e o fechamento vão marcando o sentimento sobre imigração de várias sociedades europeus. Condicionadas por um ambiente mediático que amplia todas as crises e as transforma na única verdade, como se imigração fosse sempre sinónimo de crise, os europeus parecem assustados.

Por mais difícil que seja, impõe-se uma resposta corajosa e com visão larga a este desafio fundamental, quer por parte dos Estados, quer da Sociedade civil. Os Europeus têm que saber encontrar na sua matriz civilizacional um caminho que transforme esta situação e que nos faça passar do medo à esperança. Que reforce uma sociedade inclusiva, humanista e com verdadeira igualdade de dignidade e de oportunidades. Esse é o grande desafio do momento actual.

Mas como responder a isto?

Não há, obviamente, uma só resposta, nem uma solução mágica. Mas há seguramente caminhos para ir dando passos, ainda que pequenos, na direcção certa.

Nesse caminho uma das primeiras armadilhas a evitar é a de tentar abordar uma questão complexa como a da imigração na Europa, através de uma análise fragmentada dos problemas, da hipertrofia artificial de algumas questões e de uma resposta política sectorial sem articulação.

Assim, a opção por uma abordagem integrada entre as temáticas migração, integração, inclusão social e anti-discriminação representa um dos maiores desafios das políticas públicas contemporâneas. A busca de coerência entre diferentes áreas e diversas perspectivas representa um caminho incontornável para quem procura eficácia nas políticas públicas de imigração.

Nesta reflexão, procuraremos então enunciar alguns desafios de coerência política no domínio das políticas de imigração.

Ao nível macro, o eixo essencial de procura de coerência passa pela visão articulada das questões das relações com os países de origem, da gestão de fluxos migratórios e da integração dos imigrantes. Quase sempre temos falhado este eixo de coerência. A sobre-valorização da questão da gestão dos fluxos migratórios e, sobretudo, a sua abordagem desintegrada, originou uma das maiores frustrações na política de imigração: a sensação de impotência no controle de fronteiras, perante a pressão externa. Acresce que a desvalorização das questões de integração, que durante muito tempo aconteceu, agravou ainda mais este desequilíbrio.

Concretizando um pouco mais: não é possível uma política de imigração coerente e equilibrada, se continuarmos a ter as políticas proteccionistas de comércio que temos prosseguido, fazendo empobrecer os nossos vizinhos ao lhes fecharmos o nosso mercado comum. Se não quisermos repartir a riqueza, será impossível parar quem procura sobreviver e a gestão dos fluxos migratórios será uma missão impossível.

Por outro lado, sabemos que a afirmação do co-desenvolvimento depende muito da existência de capital humano suficiente nos países em vias de desenvolvimento. Ora sistematicamente fazemos apelo à vinda de imigrantes altamente qualificados, desnatando estas sociedades dos seus principais recursos. Como poderá o co-desenvolvimento funcionar quando se desertificam os países de origem?

Mas também no pilar da integração de imigrantes se verificam incoerências significativas. Como podemos desejar uma integração bem sucedida, se a má gestão de fluxos migratórios produz essencialmente imigrantes em situação irregular, sem direitos, nem futuro? Como podemos ter uma boa integração se gastamos parte do nosso discurso e dos meios que temos a incentivar o retorno aos países de origem dos imigrantes legalmente estabelecidos na Europa, como se fossem indesejáveis aqui? Que sentido de pertença pode ter uma comunidade que se sente “convidada” a ir embora?

Estes são algumas das incoerências entre os três pilares essenciais na política de imigração: relações com os países de origem, gestão de fluxo migratórios e integração dos imigrantes.

Na busca de caminhos de coerência política entre estes três pilares é fundamental avançar, de uma forma corajosa, através de novas estratégias.

Para o aprofundamento da coerência política entre os três pilares, a redução de barreiras às importações vindas dos países vizinhos, o aumento da ajuda pública ao desenvolvimento e do investimento directo estrangeiro, nomeadamente na criação de empresas e respectivos postos de trabalho, são alguns caminhos possíveis. Neste último eixo, a participação crescente de imigrantes estabelecidos na Europa, como protagonistas alternativos è complementares às estruturas públicas dos seus países, é fundamental. Os imigrantes são já, através das suas remessas, o principal actor na ajuda ao seu pais de origem, mas poderiam ser ainda mais úteis. O papel das diásporas vai sendo cada vez mais conhecido e valorizado e pode representar um poderoso instrumento de desenvolvimento, ao qual a Europa se deve associar fortemente.

Por outro lado, a coerência política, ao nível da redução dos efeitos negativos da “drenagem de cérebros”, ganharia muito em apostar forte na efectiva migração circular, bem como no reconhecimento que não necessita só de imigrantes altamente qualificados, mas também imigrantes pouco qualificados.

Ao nível do pilar da gestão dos fluxos migratórios, sendo claro que todos defendemos a imigração legal, é fundamental fazer funcionar efectivamente os canais legais de imigração. Não podemos manter uma atitude defensiva e reactiva. Temos que ser capazes de ser pró-activos e tornar a imigração legal uma realidade fácil e ágil, orientada pelas necessidades concretas dos mercados de trabalho.

Finalmente, last but not least, o pilar da integração deve assumir um outro relevo. Muitas vezes, este tem sido o “parente pobre” das políticas de imigração, quer pelo baixo investimento que nele se faz, quer também pela sucessão de erros que se têm verificado. É urgente investir mais e melhor na integração dos imigrantes nos nossos países. A inspiração proporcionada pelos Princípios Básicos Comuns de Integração é muito positiva e pode ajudar a desenhar boas políticas de integração. Estas devem ser marcadas também por uma coerência interna, para além da coerência com os outros dois pilares da política de imigração.

Com efeito, a integração exige uma abordagem holística e global. Também neste domínio, visões parciais e fragmentadas são muito ineficazes. A todos níveis – local, nacional e europeu – é fundamental o envolvimento transversal e coordenado de várias instituições. A experiência concreta de Portugal, quer com o formato institucional do Alto Comissariado para a Imigração, colocado no centro do Governo, na Presidência do Conselho de Ministros quer também com o seu Plano para a Integração de Imigrantes recentemente aprovado, que envolve 123 medidas de 13 ministérios diferentes, mostra a nossa opção.

Uma última palavra sobre coerência.

Em tempo de crise do projecto europeu, vale a pena sermos coerentes com os últimos cinquenta anos da nossa História, porque neles encontraremos uma boa inspiração para o futuro.

Ao lado da ajuda ao desenvolvimento, a opção corajosa e ousada pela criação de um espaço comum , sem fronteiras, com liberdade de circulação de bens, de capitais e, sobretudo, de trabalhadores veio a revelar-se uma opção eficaz nomeadamente na gestão de fluxos migratórios internos. A perspectiva subjacente de solidariedade e de apoio ao desenvolvimento, bem como uma matriz nuclear comum em termos de valores essenciais (Democracia, Estado de Direito, respeito pelos Direitos Humanos, entre outros) viabilizou essa opção, que tem vindo a alargar-se significativamente. Desde o núcleo inicial de seis países fundadores aos actuais vinte e sete membros, muito caminho foi percorrido em cinco décadas com grande sucesso, independentemente da crise actual.

Portugal beneficiou, como outros, desse generoso espírito europeu. Com efeito, a ajuda ao desenvolvimento proporcionada pela solidariedade europeia expressa, por exemplo, nos fundos estruturais, permitiu que Portugal – bem como Espanha e Grécia, ou agora os países do alargamento - desse um notável salto no seu crescimento económico e nas suas condições de vida. Depois disso, pela primeira vez, no último século passou a ter um saldo migratório positivo, ou seja, ver reduzida significativamente a emigração e passar a ser país de acolhimento de imigrantes. O modelo está testado e funciona. É possível através da ajuda ao desenvolvimento criar um mundo mais justo e equilibrar os fluxos migratórios.

Apesar da crise europeia, temos esperança que este mesmo espírito possa vir a funcionar no alargamento a leste e poderá funcionar, se a Europa tiver para tal coragem e ousadia, em relação à Turquia e à margem sul do Mediterrâneo. Aliás, só dessa forma se evitará um cerco à Europa que, graças à tendência demográfica inversa (União Europeia a decrescer em termos de população e vizinhos a crescerem), terá inexoravelmente um resultado negativo para o “velho” – nunca o termo foi tão bem aplicado... – continente.

A experiência europeia, neste como noutros aspectos, deveria fazer-nos reflectir. Temos internamente no modelo europeu, um exemplo – o único – de uma gestão perfeita de fluxos migratórios, acompanhado da evidência que esta só pode acontecer num quadro de simultâneo apoio ao desenvolvimento dos países mais pobres e atitude social de solidariedade e de partilha de oportunidades. Não se trata portanto de uma pura utopia, sem qualquer fundamento real. Mesmo com todas as crises e dificuldades de percurso, a União Europeia, permitiu cinco décadas de paz e desenvolvimento partilhado, num continente que tinha como tradição a guerra e a destruição cíclica e um quadro de grande desigualdade entre desenvolvimento e riqueza de vários dos seus países.

19 março 2007

Rede UNIVAS Imigrante – Para maior igualdade de oportunidades

Um dos grandes desafios que os imigrantes sentem, desde a sua chegada até à sua partida, é a integração no mercado de trabalho do país de acolhimento. Ao contrário do que alguns julgam, não lhes é fácil encontrar trabalho. E se o encontram rapidamente é porque estão dispostos a ocupar os postos de trabalho livres, que ninguém quer. Sujos, mal pagos e perigosos, esses empregos vão ficando vazios de nacionais, que preferem outras opções, mesmo que seja o subsídio de desemprego. Os imigrantes, agarram essas oportunidades com ambas as mãos, porque o seu objectivo de vida não passa por viver à espera de que o emprego caia do céu.

Ora, se é explicável que num primeiro momento, por desconhecimento, as oportunidades estejam limitadas, é inaceitável que estas não se alarguem com a plena integração dos imigrantes na sociedade de acolhimento. Uma política de integração bem sucedida é a que garante igualdade de oportunidades para todos, em função das suas competências e saberes, independentemente da sua origem nacional. Mas as limitações no acesso à informação sobre oportunidades de emprego, a sua desconfiança e afastamento do serviço público de emprego ou a discriminação étnica praticada por potenciais empregadores, são alguns dos bloqueios que dificultam a integração profissional dos imigrantes.

No trajecto de integração sócio-profissional dos imigrantes, uma das medidas fundamentais é a igualdade de oportunidades no acesso ao emprego, entre cidadãos imigrantes e os cidadãos nacionais. O recém-aprovado Plano para a Integração de Imigrantes (PII) preconiza como resposta a este desafio o desenvolvimento de “uma rede de UNIVA’s, em parceria com entidades da sociedade civil, tendo em vista a informação, a orientação profissional, a procura de uma formação e/ou emprego e o acompanhamento dos jovens em experiências no mundo do trabalho.”

Ora, no dia seguinte à aprovação do PII, porque as promessas são para cumprir, foi assinado entre o Instituto de Emprego e Formação Profissional (IEFP) e 22 parceiros locais – maioritariamente, Associações de Imigrantes – um protocolo que viabiliza a constituição de mais de duas dezenas de Unidades de Apoio à Inserção na Vida Activa (UNIVA). Estas irão trabalhar em rede, quer com o Centro Nacional de Apoio ao Imigrante, quer com os Centros de Emprego do IEFP potenciando significativamente a sua capacidade de intervenção. Desta forma, desejamos promover uma maior igualdade de oportunidades no acesso ao trabalho, combatendo a discriminação e as vulnerabilidades específicas dos imigrantes, jovens descendentes de imigrantes e minorias étnicas.

Com gestos concretos, mobilizando anualmente mais 275.000 Euros para este objectivo, procuramos, com o apoio inestimável do IEFP, dar passos firmes em direcção a uma coesão social e a um desenvolvimento sustentável que não deixa ninguém à margem. A rede UNIVAS Imigrante vai ser mais uma peça nesse puzzle.
(BI, Abril 2007)

Continuar o caminho

No passado mês de Dezembro, o Eurobarómetro revelava que Portugal era o segundo país europeu (EU-25), logo a seguir à Suécia, em que mais inquiridos consideravam positivo o contributo dado pelos imigrantes. Na mesma linha, só 3% dos inquiridos portugueses considerava a imigração “um problema”. Estes resultados convergem com a percepção intuitiva de que se regista em Portugal uma notável paz social em torno da questão da imigração, marcada por ausência de crises graves de xenofobia, racismo ou de simples hostilidade generalizada perante os imigrantes.
Este quadro social não é comum nos países da União Europeia. Ainda que se registem problemas no acolhimento e integração de imigrantes em Portugal e que não se possa falar de uma “excepção portuguesa”, nem muito menos reivindicar qualquer superioridade ou uma exemplar integração dos imigrantes, os resultados são muito positivos.
Na mesma linha, já em Fevereiro deste ano, a Comissão Europeia contra o Racismo e a Intolerância, do Conselho da Europa, no seu 3º relatório sobre Portugal, referente ao período 2002/2006, sublinhava os enormes avanços que foram possíveis alcançar (“A ECRI congratula-se com os esforços consideráveis investidos pelas autoridades portuguesas para fazer face ao aumento constante desde 1990 do número de imigrantes no país..(..) A ECRI nota com satisfação que Portugal instaurou recentemente uma política de imigração, acompanhada de uma política de integração. Esta última tem sido reflectida num grande número de medidas em prol dos imigrantes em domínios como a educação, o emprego, os direitos sociais, a cultura, etc”), embora ainda permaneçam importantes desafios a corresponder, particularmente na integração das comunidades ciganas.
Estes sinais externos devem constituir um importante estímulo para ir mais longe e estando a percorrer um caminho que vai dando os seus frutos positivos, a exigência deve aumentar.
A concretização das medidas enunciadas no Plano de Integração dos Imigrantes constitui, nesse domínio, a principal referência. Sendo um Plano muito ambicioso, nele se devem concentrar todas as energias e a mobilização de todos os recursos. A sua aprovação em Conselho de Ministros e o forte envolvimento de 13 Ministérios dá lhe uma consistência e seriedade que permitirá, pela primeira vez, o desenvolvimento de uma acção integrada e abrangente em todos os domínios da integração.
Acresce que no domínio das Minorias étnicas, particularmente em relação á comunidade cigana é necessário ser mais pró-activo. Estamos conscientes das nossas limitações e sabemos que precisamos de dar respostas mais consistentes. Para isso, o ACIME criou
recentemente o Gabinete de Apoio ás Comunidades Ciganas (GACI), coordenado pela Dra. Helena Torres e Dr. André Jorge. No seu plano de actividades para 2007 estão previstas importantes iniciativas, em torno do programa “CIGADANIA” de onde se destacam a articulação com os vinte projectos do Programa Escolhas que trabalham com crianças ciganas, o reforço da mediação sócio-cultural ao nível municipal, a realização de acção de formação e sensibilização, bem como o desenvolvimento de mecanismos de comunicação e informação.
Certos que a enorme tarefa que nos foi incumbida nunca se esgotará e que haverá sempre algo a fazer e/ou melhorar, vamos dando pequenos-grandes passos. Num caminho partilhado com muitos parceiros públicos e privados, do Estado e da Sociedade civil, assim concretizaremos a missão de serviço ao bem comum, através do acolhimento e integração dos imigrantes e das minorias étnicas.

(BI, Março 2007)

Reclusos Estrangeiros em Portugal – Esteios de uma problematização

A sistemática correlação entre imigração e criminalidade, muito explorada em todos os países de acolhimento por sectores xenófobos e racistas, tem também entre nós alguma presença. Condicionados pelo desconhecimento da realidade factual e - mais grave – influenciados por leituras enviesadas e percepções distorcidas, muitos dos nossos concidadãos acreditam que existe uma maior incidência de criminalidade entre as comunidades imigrantes. Para isso contribui, em grande medida, a presença mediática de notícias de uma criminalidade com nacionalidade indicada, sempre que se tratam de estrangeiros, o que leva à difusão de um sentimento difuso de insegurança, multiplicado pela vox populi que expande medos e desconfianças. E a “certeza” está tão consolidada que muitos nem admitem procurar nos factos confirmação - ou não - dessa “verdade”.

Aparentemente, os números parecem confirmar essa leitura. Aponta, por exemplo, o presente estudo para que o número de reclusos estrangeiros aumentou de 991 em 1994 para 2145 em 2003, representado respectivamente 9,6% e 15,7% dos reclusos. Lidos duma forma simplista, estes números evidenciam um crescimento do número de detidos estrangeiros (116%), com a “confirmação” da sua maior “predisposição” para o crime. Mas quando perguntamos como evoluiu o número de residentes estrangeiros nesse período, excluindo mesmo uma outra parcela importante a considerar – os estrangeiros não residentes - obtemos um aumento de 157.063 (1994) para 433.868 (2003) imigrantes, o que corresponde a um crescimento de 176%. Ou seja, embora o número de detidos estrangeiros tenha, em termos absolutos, aumentado entre 1994 e 2003, em termos relativos, quando nos referimos à base dos número de imigrantes, esse número diminuiu de 6,3 %o para 4,9%o do universo. É preciso saber ler os números para não nos deixarmos enganar com ilusões de óptica. Muitos mais exemplos como este ficam ao alcance do leitor nos dois estudos do OI sobre esta temática.

Mas poderia a criminalidade ter uma pré-determinação, em função da nacionalidade ou de um estatuto (estrangeiro/imigrante)? Sofrerão os migrantes, no seu processo migratório, alguma transformação de carácter ou de personalidade? Haverá algum processo de selecção natural nos fluxos migratórios que leve a uma sobre-representação de pessoas com maior propensão para o crime?

Neste como noutros temas, ajuda questionarmo-nos também a partir da perspectiva de país de origem de emigrantes: serão os emigrantes portugueses espalhados por todo o mundo, mais atreitos ao crime que os autóctones dos países que os acolhem? Admitimos essa hipótese?

O Observatório da Imigração (OI), como é seu timbre, tem procurado aprofundar o conhecimento sobre as comunidades imigrantes em Portugal, regendo a sua intervenção pelo rigor, objectividade e permanente procura da verdade. Não podia, naturalmente, deixar de abordar esta questão e fê-lo, a dois tempos: com o estudo “A criminalidade de estrangeiros em Portugal: um inquérito científico”, publicado em Maio de 2005 e o presente estudo “Reclusos Estrangeiros em Portugal – Esteios de uma problematização”, ambos da autoria de Hugo Martinez Seabra e Tiago Santos. Estes investigadores da NÚMENA, sob a coordenação do Professor Roberto Carneiro, coordenador do OI, mergulharam a fundo nos dados do sistema judicial e penitenciário, procurando chegar mais longe no conhecimento da realidade, procurando verificar se existe, comparando o que deve ser comparado, uma sobre-representação de cidadãos estrangeiros a contas com a justiça e quais as explicações para tal facto. Os dados ficam disponíveis e os argumentos ao alcance de discussão. A procura serena e consistente da verdade, não deixará margens para dúvidas: não existe uma predisposição diferente para a criminalidade, consoante a nacionalidade ou o estatuto de migrante ou autóctone.

Plano para a Integração de Imigrantes

Apesar do muito caminho andado nos últimos anos nas políticas de acolhimento e integração de imigrantes, Portugal não tinha ainda um Plano global, integrado e de largo espectro para acolher e integrar os imigrantes que nos procuram, que sistematizasse os objectivos e os compromissos sectoriais do Estado português neste domínio.

Tendo consciência que as políticas de imigração serão cada vez mais marcadas pelo pilar da Integração, equilibrando o seu peso com a omnipresença da dimensão do controle dos fluxos migratórios e com a crescente atenção à ajuda ao desenvolvimento dos países de origem, procurou-se definir, para o próximo triénio, um roteiro de compromissos concretos que fosse suficientemente estruturado e que afirmasse o Estado como o principal aliado da integração dos imigrantes.

Com o envolvimento de 13 Ministérios, as 123 medidas propostas representam um ambicioso programa político que permitirão atingir níveis superiores de integração, quer numa perspectiva sectorial (Trabalho, Habitação, Saúde, Educação,..) quer numa perspectiva transversal (racismo e discriminação, questões de género, cidadania..).

Também na sua tipologia, as medidas são muito abrangentes e diversificadas. Incluem quer a consolidação de iniciativas existentes, quer o lançamento de novas iniciativas, quer ainda a desburocratização/simplificação de vários processos; por outro lado, consideram quer a informação, quer a formação, ou ainda a investigação. Essa diversidade representa uma opção política que reconhece a complexidade da resposta pública ao desafio de integração e que tem como certa a necessidade de intervir em múltiplos factores de integração.

O presente Plano evidencia também, de uma forma clara, a opção pela participação e co-responsabilidade dos imigrantes na concepção, desenvolvimento e avaliação das políticas de imigração. Considerando com o devido destaque o associativismo imigrante como expressão primeira da participação dos imigrantes, as propostas de participação vão mais além, com particular destaque para a figura do mediador sócio-cultural (Saúde e Educação) e para o incentivo à participação política e sindical.

Ainda que no seu essencial as medidas deste Plano digam respeito à esfera de intervenção do Estado, não deixam de se constituir também como um forte incentivo à sociedade civil para que acrescente valor nestes eixos de intervenção, quer nos seu âmbito específico de intervenção, quer em parcerias com o Estado.

Finalmente, o Plano para a Integração dos Imigrantes não representa mais encargos para o Estado. Com os meios disponíveis nos orçamentos dos vários Ministérios é possível fazer mais e melhor, direccionando-os num sentido estratégico coerente e indo ao encontro das maiores necessidades no acolhimento e integração de imigrantes.

Desta forma, concretiza-se mais um dos compromissos essenciais do presente mandato do ACIME e, sobretudo, define-se um roteiro de intervenção para o acolhimento e a integração dos imigrantes, que será monitorizado semestralmente através de Relatórios de progresso. Portugal tem, ainda, muito a fazer para poder alcançar níveis excelentes de integração dos imigrantes, mas a rota está traçada e os sucessos já alcançados constituem um incentivo para acreditar que é possível ir mais longe.


(BI, Janeiro 2007)

Futebol e Racismo

Recentemente em Paris, viveu-se (mais) um acontecimento trágico, na sequência de um jogo de futebol entre o PSG e uma equipa israelita. No rescaldo violento, pautado pela brutalidade das claques radicais do PSG, onde pontuam múltiplas expressões racistas e xenófobas, um polícia à civil que protegia um adepto israelita, cercado por uma multidão de hooligans franceses, viu-se obrigado a disparar, provocando um morto e um ferido grave. Os alvos da fúria desses adeptos eram, note-se um negro (o polícia à civil) e um judeu (o adepto israelita). As palavras de ordem reflectiam o ódio e a violência.

A França ficou em choque. As declarações de repúdio pela atitude racista da claque e o lamento pela morte de um jovem multiplicaram-se por todos os quadrantes.

Este fenómeno, infelizmente, não é novo. No futebol vão-se expressando, aqui e além, sinais de racismo, nomeadamente de algumas claques principalmente em relação a jogadores africanos. Ainda recentemente na vizinha Espanha, Samuel Eto´o foi vitima de apupos racistas da claque do Saragoça e na Luz alguns portugueses repetiram a mesma atitude, enquanto que também em Portugal vários jogadores sofreram consequências desses gestos.

Felizmente, a FIFA e a UEFA têm dedicado a este tema uma atenção crescente. Para além de campanhas de marketing dinamizadas por toda a parte, apelando à recusa do racismo nos campos de jogo, a Federação Internacional foi este ano mais longe. No passado mês de Março, o Comité Executivo da FIFA decidiu agravar significativamente as penas por actos racistas no futebol. “Agente desportivo que cometa uma ofensa de natureza racista sofrerá uma pesada pena:(nº1) Qualquer pessoa que publicamente humilhe, discrimine ou denigra o nome de alguém de forma difamatória devido à sua raça, cor, língua, religião ou origem étnica, ou cometa qualquer outro acto discriminatório e/ou de desdém, será sujeita a uma suspensão pelo menos por cinco jogos a todos os níveis. Para além disso, será aplicada ao infractor uma interdição de entrar em estádios e uma multa não inferior a 20.000francos suíços. Se o infractor for um agente desportivo, a multa será de pelo menos 30.000 francos suíços.”

Acresce ainda que se o comportamento impróprio for comprovadamente atribuído a uma das equipas perde automaticamente três pontos (1ª ofensa), seis pontos (2ª ofensa) e finalmente será desclassificada à terceira ofensa. Finalmente os espectadores que exibam slogans deste tipo, provocam um dano ao seu clube de 30.000 francos suíços e serão proibidos de entrar nos estádios durante dois anos.

Trata-se, sem dúvida, de um exemplo notável que a Federação Internacional de Futebol nos dá e ao qual a Federação Portuguesa já aderiu. Veremos pois como as autoridades desportivas portuguesas irão impor este novo quadro regulamentar. A tolerância zero em relação ao racismo deve acompanhar a acção positiva de celebração da diversidade e a pedagogia da diferença. Com essa dupla abordagem poderemos ter no futebol um importante instrumento de construção de uma sociedade mais aberta.

Tanto mais que não haverá outro campo como futebol onde, de uma forma tão evidente, se mostrem as vantagens da multiculturalidade. Desde 1995, depois da “lei Bosman” que veio liberalizar o número de jogadores estrangeiros nas equipas, vemos os melhores clubes do mundo optarem por planteis de composição multinacional e, por isso, multicultural. O Chelsea, por exemplo, joga frequentemente com jogadores de oito nacionalidades diferentes e o Benfica actuou recentemente com seis jogadores estrangeiros de quatro nacionalidades diferentes. Esta tendência veio a acentuar-se com a aprovação, em 12 de Abril de 2005, de uma abertura total, sem qualquer tipo de discriminação, a perto de 100 países, determinada pelo Acordão Simutenkov, produzido pelo Tribunal de Justiça da União Europeia.

A força da diversidade cultural no futebol deve vencer a violência racista e xenófoba que deve ser definitivamente banida da festa que o desporto sempre deveria ser.
(BI, Dezembro 2006)

Melhor é possível

Quase sempre temos sempre pronta a crítica e somos lestos a apontar os erros. Mas quanto a elogios somos bastante mais austeros. Por várias razões – boas e más – não elogiamos tanto quando devíamos. Contrariando esta tendência, nesta ocasião queremos fazer três – poderiam ser muitos mais - elogios públicos de acções que somos testemunhas e que têm contribuído significativamente para a melhoria do acolhimento e integração de imigrantes em Portugal.

O primeiro elogio dirige-se ao extraordinário trabalho que a Fundação Calouste Gulbenkian tem vindo a fazer através do seu Forum Gulbenkian Imigração. Impulsionado pela sua Administradora Isabel Mota e dinamizado pelo Comissário António Vitorino (seguramente o maior especialista português em Migrações e Europa), um programa vasto de conferências e de eventos, ao longo das comemorações do cinquentenário da Gulbenkian, tem vindo a concretizar-se com um enorme impacto. Quer no aprofundamento da reflexão e do conhecimento sobre esta temática, quer através de outras aproximações inovadoras, tem sido possível trazer à sociedade portuguesa um outro olhar sobre as migrações. Entre todas as iniciativas, salienta-se na agenda próxima a realização no dia 21 de Novembro, de um seminário com a presença do Comissário europeu, Franco Frattini, responsável pela área da Imigração na Comissão Europeia, bem como o lançamento de uma Plataforma da Sociedade civil, mobilizada para o melhor acolhimento e da integração de imigrantes. Por outro lado, na esfera cultural, com a liderança de António Pinto Ribeiro, a Gulbenkian desenvolveu no passado mês de Setembro, um programa de espectáculos de música e de teatro que ofereceram o palco desta prestigiada instituição a protagonistas imigrantes ou seus descendentes. Foi bom poder ver Chullage, Kalaf ou Natasha Marianovic nos palcos da Gulbenkian.

O segundo elogio relevante vai para a Agência LUSA, quer para o seu director de informação, Luís Miguel Viana, quer para os editores e jornalistas. Dos seus despachos sobre imigração desapareceu por completo a referência a nacionalidade, etnia ou situação documental, sempre que tal não é relevante para explicar a notícia, dando cumprimento ao princípio do Código Deontológico dos jornalistas que refere “O jornalista deve rejeitar o tratamento discriminatório das pessoas em função da cor, raça, credos, nacionalidade ou sexo”. Num exercício de grande rigor deontológico e cientes da sua responsabilidade social, os jornalistas da LUSA têm dado um excelente exemplo do bom jornalismo que (também) se faz em Portugal. Essa opção contribuirá significativamente para reduzir a estigmatização de toda uma comunidade imigrante e, dessa forma, reduzir o racismo e a xenofobia. Fica a esperança que alguns jornalistas renitentes quanto a este rigor deontológico, que trabalham para outros meios de comunicação, vejam no exemplo dos seus colegas da LUSA uma inspiração a seguir.

Finalmente, last but not least, o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) é merecedor de um elogio público pelo esforço que tem desenvolvido para melhorar o seu serviço aos imigrantes. Nos últimos meses, sob a direcção de Jarmela Palos, foi possível reduzir os enormes atrasos existentes e, em alguns domínios, recuperá-los completamente, como foi o caso das renovações das autorizações de permanência, através do esforço da equipa do SEF presente no CNAI de Lisboa. Simultaneamente, foram melhorados os recursos de informação ao imigrante, quer através de um novo e atractivo site na Internet, quer através da operação do seu novo centro de atendimento telefónico, quer ainda pela introdução de mediadores socio-culturais, em parceria com as Associações de Imigrantes, nos serviços de atendimento da Direcção Regional de Lisboa. Se é certo que um ou outro protagonista do SEF, em alguns serviços descentralizados, não é merecedor deste elogio – sendo até alvo de crítica – há que reconhecer e elogiar o enorme esforço feito pela maioria dos quadros do SEF e pela sua Direcção para reposicionar este Serviço como uma referência de qualidade e humanidade no atendimento a imigrantes.

Três elogios. Palavras que consideramos justas e ponderadas que visam não só reconhecer o mérito específico destas entidades e pessoas, mas também – e sobretudo – incentivar uma resposta positiva de todos nós ao desafio de uma melhor política de imigração. Com efeito, “melhor é possível”. Está ao alcance da nossa vontade e do nosso engenho tornar Portugal um exemplo de acolhimento e integração de imigrantes na Europa.

(BI, Novembro 2006)