24 setembro 2006

Diálogo de surdos?

Nos dias 14 e 15 de Setembro, em Nova Iorque, realizou-se pela primeira vez no âmbito das Nações Unidas, uma relevante iniciativa designada “Diálogo de Alto Nível”, dedicada ao tema “Migrações e Desenvolvimento”.



Cerca de 190 países, na sequência do trabalho desenvolvido por Peter Suterland, representante especial do Secretário-Geral, e do Grupo de trabalho sobre migrações internacionais (ver link), reuniram-se em torno desta magna questão. Num formato condicionado pela necessidade de acomodar mais de 100 intervenções em dois dias, assistiu-se essencialmente, não a um verdadeiro diálogo, mas a uma centena de monólogos. Embora seja verdade que em todos os discursos foram evidentes pontos comuns (importância das remessas, imigração circular, win-win model, drenagem de cérebros,..) e que não se verificaram polémicas significativas, não é menos verdade que esse consenso decorre mais da inconsequência prática da iniciativa do que de avanços significativos. Mesmo a ideia nova lançada pelo Secretário Geral no seu discurso de abertura – o Forum Global Migrações e Desenvolvimento – recolheu um número significativo de apoios, mas quase todos eles descomprometidos, remetendo este novo projecto para uma função de troca de experiências e de partilha de boas práticas e nada mais. Do lado da oposição a este iniciativa, protagonistas de peso como os Estados Unidos ou a Austrália fizeram-se ouvir. Por uma e outra razão, não se augura grande futuro para o Forum que terá, aparentemente, a sua primeira sessão em Janeiro, na Bélgica. De qualquer forma, ainda assim, foi importante ter sido realizado este Diálogo de Alto Nível, nomeadamente pelo agendamento do tema enquanto prioridade global.

É evidente que as dificuldades são – e vão continuar a ser - muitas. Desde logo, porque a ferramenta essencial das Nações Unidas nesta área – a Convenção para a protecção de todos os migrantes e suas famílias – apesar de ter sido aprovada em Assembleia Geral em 1992, não reúne mais do que trinta ratificações e todas elas de países de origem. Nenhum país de acolhimento de imigrante a ratificou e não se vislumbra que a situação se altere. Como é possível avançar, se se verifica esta situação esquizofrénica de uma Convenção das Nações Unidas aprovada que é letra morta e jamais ressuscitará? Por outro lado, nenhum Estado quer abdicar da sua total soberania na gestão das migrações, embora todos afirmem simultaneamente que nenhum Estado é suficiente, por si só, para fazer face a esta questão e que os países de origem, trânsito e destino devem cooperar e gerir conjuntamente esta realidade? Mas, então, como fazer?

O horizonte não é, portanto, brilhante. Apesar disso, é impossível desistir. Temos que encontrar, através de pequenos passos, patamares que tornem a Era da Mobilidade mais harmónica e justa, com efectiva protecção dos migrantes, bem como com saldo positivo para os países de origem e de destino dos fluxos migratórios. Para isso, é bom ter consciência que um conceito muitas vezes repetido – a coerência de políticas - é fundamental. Da mesma maneira que nenhum país pode resolver, por si só, a gestão das migrações, a existência de políticas contraditórias (ou não convergentes) nas áreas do comércio internacional, do co-desenvolvimento, da segurança e do diálogo intercultural e inter-religioso só tornarão cada vez mais intricado este fenómeno das migrações. Aí se revelarão, com gravidade crescente, todas as consequências de erros nas outras políticas. E paliativos não serão suficientes enquanto na raiz os problemas persistirem.

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