24 setembro 2006

Direito à Esperança

Vezes de menos sublinhamos qual é, em qualquer parte do mundo, a força motriz do/as migrantes. Subjugados por um olhar tecnocrático, quase ignoramos que o que o/a faz mover é, acima de tudo, a Esperança num futuro melhor, para si e para a sua família. Ainda que exista, em muitos casos, o impulso provocado pelo desespero, decorrente de condições de vida muito adversas, tal, por si só, não seria suficiente para o fazer mover. Só parte, quem acredita que pode encontrar uma oportunidade de dar outro destino a sua vida. E essa esperança é um direito fundamental de qualquer ser humano, pelo que devem existir canais legais de migração que funcionem efectivamente, ainda que as admissões possam ter um limite. O bloqueio a esse esperança constitui uma profunda injustiça de um mundo que se globalizou na livre circulação de capitais e (quase) de bens e serviços, mas que não o fez para as pessoas, deixando milhões presos na sua pobreza.

Esta reflexão vem a propósito do recente relatório do Fundo das Nações Unidas para a População (FNUAP), com o título “Passagem para a Esperança” dedicado às mulheres migrantes.



Não terá sido seguramente por acaso que foi escolhido este título para o relatório. Elas, novas protagonistas decisivas dos movimentos migratórios, encarnam como ninguém esta esperança. Através do trabalho que lhes permita auferir rendimento suficiente para si e para a sua família, a que somam muitas vezes a possibilidade de escapar a círculos viciosos de subjugação familiar e social, têm na migração uma oportunidade extraordinária de dar um salto na sua vida.

Olhando então o movimento migratório de milhões de pessoas enquanto expressão do direito à esperança há que sublinhar três atitudes exigíveis às sociedades de acolhimento.

Como primeiro passo é fundamental termos uma atitude de quem sabe reconhecer e elogiar a Esperança de todo/as que partem em busca de uma vida melhor. Entre ele/as, está, normalmente, o que de melhor a Humanidade tem. A sua capacidade de luta e de iniciativa, a sua resiliência e a sua ambição, representam contributos preciosos para os países de destino. Veja-se, por exemplo, o efeito em países construídos essencialmente por emigrantes, como os Estados Unidos, a Austrália ou o Canadá. As suas economias, mas também as suas sociedades no global, beneficiaram extraordinariamente com essa força. Por isso, perante os que emigram, devemos saber reconhecer e elogiar a esperança de que são portadores e, perante os movimentos migratórios, perceber que o medo e a desconfiança não fazem sentido. Quem vem, vem pela esperança de uma vida melhor e não constitui ameaça. E isso torna-se mais fácil entender se soubermos reconhecer e elogiar a esperança que trazem.

Como segunda linha, deveremos potenciar e efectivar a Esperança. O choque à chegada ao destino migratório é, muitas vezes, violento e torna-se difícil manter acesa a esperança que o/a fez movimentar. O trabalho desqualificado, a burocracia infernal que enfrentam, a remuneração abaixo da praticada para nacionais, as atitudes de xenofobia e de racismo, a dificuldade de ver reconhecidas as suas habilitações académicas, são alguns exemplos dos obstáculos que encontram. Cabe-nos, por via de uma boa integração dos imigrantes, ajudar a desfazer estes bloqueios para que a esperança que trazem possa ser potenciada e realizada. As políticas de integração nos vários domínios sectoriais, desenvolvidas quer a nível público, quer a nível privado, devem dar essa resposta. A defesa do princípio da igualdade de direitos e deveres, mas também de oportunidades deverá inspirar todas as acções a desenvolver neste eixo.

Finalmente, porque nas migrações os riscos e as vulnerabilidades são grandes, devemos também saber proteger e restaurar a Esperança, quando esta está em perigo ou já se desfez. A exploração no trabalho ou na habitação, o tráfico de pessoas ou a discriminação étnica são contextos muitos hostis que muito/as imigrantes experimentam e que, eventualmente, podem matar toda a esperança que eram portadore/as. Torna-se, por isso, essencial que todo/as o/as migrantes tenham, não só toda a protecção jurídica dos seus direitos fundamentais, mas que possam dela beneficiar efectivamente. O seu acesso à justiça, a sua protecção pelo Estado de direito e suas instituições, bem como o apoio solidário da solidariedade civil, constituem, em momentos de crise, condições indispensáveis para proteger e restaurar a esperança de muito/as imigrantes.

Provavelmente, nada será mais essencial ao futuro da Humanidade do que a Esperança. Aproveitemos, portanto, os seus principais portadores – a/os imigrantes - que desde que partem da sua terra natal, até que a ela regressam não fazem mais do que dar corpo à sua esperança.

(Editorial do BI Acime, Outubro)

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