18 dezembro 2005

Integração cultural e linguística

Na dinâmica de integração, importa também sublinhar a importância da integração cultural e linguística. Dominar suficientemente a língua do país de acolhimento é condição sine qua non para uma integração com sucesso. Sem este domínio, as desvantagens competitivas agravam-se exponencialmente e o imigrante recém-chegado atinge a vulnerabilidade máxima. Por isso, proporcionar aos imigrantes a aprendizagem da língua, quer em contextos formais, quer informais, é fundamental.
Portugal tem tido a sorte de acolher muitos imigrantes de língua oficial portuguesa e em relação a algumas das outras comunidades com outra língua materna tem-se verificado uma extraordinária capacidade de aprendizagem. Mas mesmo assim é necessário agilizar quer este processo de aprendizagem do Português e chegar a comunidades que, por se manterem muito fechadas, são pouco permeáveis à aprendizagem da língua, como é caso das comunidades asiáticas.

Neste domínio são múltiplas as experiências relatadas no Manual de Integração da União Europeia. É crescente a tendência de tornar obrigatória a frequência de acções de formação na língua do pais de acolhimento e a institucionalização enquanto condição necessária à atribuição de renovações de títulos de longa duração. Esta inegável medida promotora da integração social pode, no entanto, esconder nalguns casos, mais uma estratégia de encerramento de fronteiras e de garantia de uniformidade das comunidades imigrantes no país de acolhimento e de exclusão de imigrantes que não adiram plenamente à norma instalada. Em políticas de imigração, como em muitas outras, nem sempre as boas intenções o são realmente.

Mas a integração cultural e linguística não se esgota no movimento desejável do imigrante aprender a língua de acolhimento ou adaptar-se aos traços culturais da sociedade anfitriã. Essa é uma visão egoísta e muito centrada da sociedade de acolhimento, sendo que também representa para ela um desperdício de recursos de inovação e diversidade que o imigrante pode representar. Assim, o imigrante recém-chegado não deve ser obrigado a abdicar da sua língua materna, da sua religião e dos seus costumes. Pelo contrário, deve ser incentivado a uma dupla pertença – sociedade de origem e sociedade de acolhimento - e deve mostrar-se disponível a partilhar com os autóctones a sua cultura e os seus costumes. Se a sociedade de acolhimento souber ser curiosa e aprender com quem vai chegando, esbate-se a ignorância que gera o medo e reforça-se a riqueza da diversidade cultural de sociedade que também se transforma com quem acolhe.

Num outra perspectiva, a integração dos imigrantes recém-chegados exige também a aprendizagem dos hábitos culturais e tradições da sociedade de acolhimento. E aqui reside uma das dificuldades mais subestimadas no processo de acolhimento e integração. Apesar de ser óbvia a diferença cultural de origem e acolhimento, muitas vezes na reflexão sobre imigração não se considera o “choque cultural” como um obstáculo sério com que os imigrantes se deparam. É que ao contraste soma-se ainda o sentimento de perda do seu referencial cultural de origem, que deixaram na sua pátria. Esta crise que tem vindo a ser estudada e que hoje constitui mesmo um campo de investigação na Medicina e na Psicologia, atinge por vezes uma expressão extrema através da depressão, da frustração e da desorientação. Numa abordagem muito interessante a este fenómeno em Espanha, Zlobina et al (2004) sublinham que “a pessoa ao abandonar a sua cultura de origem tem que adaptar-se ao novo contexto cultural que implica três aspectos: (i) a adaptação psicológica; (ii) a aprendizagem cultural (os conhecimentos e as competências sociais que permitem movimentar-se na nova cultura) e (iii) a realização das condutas adequadas para a resolução com sucesso das tarefas sociais”[1].
Parece evidente que este choque é tanto maior quando mais diferentes são as culturas de origem e de acolhimento, mas já não será tão óbvio – mas seguramente verdadeiro – que mesmo em culturas com maiores vínculos linguísticos e históricos as separa, por vezes distancias muito grandes. Para compreender melhor alguns dos eixos deste choque cultural é útil trazer a leitura de Inkeles e Levison (1969), citados no já referido artigo[2], que consideram as seguintes dimensões:
1) a relação com a autoridade – dimensão distância hierárquica
2) a concepção do “eu” e da relação do “eu” com a sociedade – dimensão individualismo/colectivismo
3) a concepção da masculinidade e da feminidade – dimensão masculinidade/feminidade
4) os conflitos e a sua resolução (expressão vs. inibição das emoções, incluindo o controle da agressão) – dimensão de afastamento da incerteza

Facilmente identificamos a partir desta grelha vários exemplos de choque entre culturas que se dão na vivência do imigrante, particularmente no recém-chegado. A relação difícil com o tempo, com a eficácia, com o “fazer” ou a incompreensão com a maior informalidade e individualismo são apenas alguns temas. É fundamental numa política de acolhimento e integração ter muito presente esta problemática, descodificando junto de cada parte – sociedade de acolhimento e imigrante – os significados das atitudes e das expressões do “outro” e estimulando a uma mútua adaptação.
Formar os funcionários da Administração é, neste contexto, muito importante. Esta formação deve ser extensiva, pró-activa e multisectorial e deve prever não só abordagens de problemáticas específicas da sua área profissional, como providenciar formação em domínios da interculturalidade, da gestão do choque cultural ou ainda da do ciclo de vida do imigrante. Os enquadramentos legais genéricos de combate á discriminação devem estar desdobrados em Códigos de conduta explícitos e claros, formalmente adoptados pelos Serviços.


[1] Zlubina (2004):46
[2] ibidem, pag. 48

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