21 fevereiro 2006

A nova lei da nacionalidade - Consenso para uma cidadania inclusiva

Num processo histórico, a alteração à Lei da Nacionalidade foi aprovada na Assembleia da República por uma esmagadora maioria de deputados, sem qualquer voto contra. A contra-ciclo na Europa, num tempo que todas as alterações legislativas nos domínios da imigração e acesso à cidadania são de endurecimento e anti-imigração, Portugal deu um sinal – felizmente – dissonante e aprovou, com grande consenso, uma abertura do acesso à nacionalidade portuguesa.

Note-se que a Lei da Nacionalidade não é, obviamente, uma lei qualquer. É, porventura, um dos mais sensíveis domínios legislativos, pois toca o imaginário colectivo profundo de uma nação de oito séculos. Nela se definem as fronteiras do “nós” de pleno direito. Poder ser português é uma oportunidade que permite ao “outro” ascender à verdadeira cidadania. Esta é uma lei que não se “mexe” todos os dias e a sua alteração tem, por isso, um significado extraordinário.

Assim, o facto de ter sido possível o consenso neste domínio é da maior relevância, quer pelos benefícios objectivos que dele decorrem, quer pelo exemplo que representa. Com efeito, evitar que a política de imigração seja um tema fracturante na sociedade portuguesa é uma condição essencial para desenvolver, com tranquilidade e eficácia, o acolhimento e a integração de imigrantes. Ao invés, o caminho seguido em muitas sociedades europeias – com responsabilidade de todas as partes – tem empurrado a discussão sobre políticas de imigração para terrenos muito difíceis, com posições extremadas e condições muito favoráveis para discursos populistas que invadem até as sociedades tradicionalmente mais tolerantes. Portugal soube dar um sinal diferente. Estão, por isso, de parabéns, o Governo que teve a coragem de avançar com esta proposta e os Partidos que votaram a favor desta alteração ou, no mínimo, a ela não se opuseram.

Mas esse consenso político e social mostra também que é possível dar passos significativos na abertura das sociedades de acolhimento à integração de imigrantes, mantendo o bom senso e a prudência. As poucas criticas que se ouviram pediam mais ousadia. Sugeriam nomeadamente que toda e qualquer criança nascida em Portugal acedesse de imediato à nacionalidade, independentemente da situação legal dos seus progenitores. Essa aparente generosidade traria um efeito perverso com consequências imprevisíveis, a partir da indução de um efeito de chamada de imigração irregular.

Com equilíbrio e sem imprudências, as alterações produzidas corrigem algumas injustiças antigas. As mais relevantes têm sido já devidamente sublinhadas. Em relação aos descendentes de imigrantes que nasceram em Portugal abrem-se múltiplas hipóteses de acesso à nacionalidade portuguesa: desde logo, por via originária automática, para os descendentes de 3ª geração; por via originária por efeito da vontade, para 2ª geração, com pelo menos um dos progenitores com cinco anos de residência legal no nosso país, independentemente do tipo de título que possuem. Mas as possibilidades para as crianças aqui nascidas não se esgotam nestas possibilidades. Por naturalização, abrem-se possibilidades de aceder à nacionalidade portuguesa para crianças que tenham nascido em Portugal e que completem o 1º ciclo do Básico, qualquer que seja o estatuto legal dos progenitores. Antes dessa fase ainda pode ser pedida a naturalização, se entretanto um dos progenitores completar cinco anos de residência legal. Esta é, aliás, uma das alterações mais relevantes: a contagem dos cinco anos de residência legal de pelo menos um dos progenitores ser referenciado não ao momento do nascimento mas ao do pedido de naturalização.

Mas importa ainda sublinhar mais algumas alterações substanciais: o prazo para pedido de naturalização é normalizado para todos os candidatos – seis anos - independentemente da sua nacionalidade; deixa de ser tido em consideração a capacidade financeira como requisito para acesso à nacionalidade e a consideração de todos os tipos de títulos legais de permanência ou residência em Portugal.

É evidente que todas as alterações introduzidas visam uma maior abertura à cidadania inclusiva daqueles/as que se querem identificar com um destino comum – Portugal - do qual passam a ser também plenos protagonistas. Portugal, através dos seus orgãos de soberania, representando todos os portugueses, abriu os braços a estes novos portugueses. Com um encargo de deveres e um crédito de direitos, deles/as é esperado não só o óbvio respeito pelo nosso património cultural, linguístico e civilizacional, que passam a compartilhar, mas sobretudo que sejam capazes de acrescentar a sua especificidade, tornando a nação portuguesa mais rica, porque mais diversificada. Com eles, Portugal fica maior e mais forte e, juntos, poderemos construir um país do qual nos orgulharemos.

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