07 fevereiro 2006

O direito de voto dos imigrantes

Ao longo da sua história, num processo de amadurecimento, a democracia tem vindo a alargar progressivamente o universo de eleitores e de elegíveis. Desde o modelo ateniense, limitado a um pequeno número de cidadãos (sem mulheres, nem escravos, nem estrangeiros), passando pelas aquisições igualitárias da Revolução Francesa e pelas novidades decorrentes da independência dos EUA (entre as quais, o princípio “no taxation without representation”), seguiram-se depois, já nos séculos XIX e XX, as lutas das sufragistas e dos líderes negros, pelo direito ao voto das mulheres e dos negros. De uma pequena elite de cidadãos foi-se expandindo a participação democrática até um modelo expresso na máxima “um Homem, um voto”. Embora seja quase sempre de natureza representativa, a democracia actual tende a envolver intensamente no destino comum todos os indivíduos que assim são chamados a participar no processo democrático. Dessa forma se reforça o exercício da cidadania com construção de uma comunidade de destino.

Este aperfeiçoamento, muito marcado pelo reconhecimento da dignidade da Pessoa – de todas as Pessoas – e pelo princípio da igualdade, tem hoje um novo e determinante desafio: o direito de voto dos imigrantes na sociedade de acolhimento.

Com efeito, a dimensão crescente das migrações no início deste século XXI, com a tendência do estabelecimento dos imigrantes por longos períodos, coloca os países de acolhimento numa encruzilhada complexa: é sustentável manter um número relevante de cidadãos imigrantes, cumpridores dos seus deveres para com a sociedade de acolhimento – nomeadamente fiscais e legais - fora do processo de participação política? É sensato excluir dos canais democráticos de representação e defesa dos seus interesses, de mobilização para um bem comum e de co-responsabilidade pelo destino colectivo, um número significativo de pessoas, ainda que imigrantes?

Não é sustentável, nem sensato, nem muito menos justo.

Desde logo, porque em democracia, quem não tem direito de voto, não existe. È um “não-cidadão”. Fica à margem. Por isso, níveis crescentes de coesão social, de envolvimento no desenvolvimento sustentável, de co-responsabilidade cívica, de igualdade e ausência de discriminação, exigem que imigrantes sejam convocados à participação política.

No caso português, prevê a Constituição que os cidadãos estrangeiros residentes em Portugal possam beneficiar do direito de voto (artº 15º, nº 4 CRP), em condições de reciprocidade, ao nível das eleições locais. Este princípio é justo e configura, ainda que de uma forma tímida e incipiente, a opção política de fundo por uma democracia inclusiva. Importa, no entanto, questionar se os limites impostos - a reciprocidade e a limitação às eleições autárquicas - fazem sentido.

Quanto à reciprocidade, embora se aceite como princípio justo e desejável, deveria ter um caracter indicativo e não obrigatório. Muitas vezes, por razões diversas – políticas, sociais e económicas - os países de origem tendem a não acolher com entusiasmo a criação de vínculos estáveis dos seus emigrantes com as sociedades de acolhimento. A não aceitação da reciprocidade surge então como um subterfúgio fácil para inviabilizar esta ligação. Mas, o que ganha efectivamente Portugal com deixar de fora muitos imigrantes originários desses países exclusivamente por causa dos seus países de origem não estarem disponíveis para a reciprocidade? Nada, rigorosamente.

Estabelece-se também uma limitação no âmbito dos actos eleitorais, excluindo as eleições legislativas e presidenciais. Embora se reconheça a importância da participação a nível local, por todas as mais-valias decorrentes da integração dos imigrantes na comunidade de proximidade, não é lógico, nem aceitável que se limite a esse nível a participação política.

Note-se, no entanto, que esta abertura à participação política tem como pressuposto a existência de uma efectiva ligação a uma “comunidade de destino”. Embora a Constituição não o imponha actualmente e seja difícil uma métrica inequívoca, a plena participação política dos imigrantes deve estar condicionada – pelo menos, num período transitório - ao estatuto de residente de longa duração, servindo para tal de referência a Directiva comunitária que define um período de cinco anos de permanência legal para adquirir esse estatuto.

As democracias liberais mais avançadas devem ter a coragem de dar um passo de abertura à plena participação política – activa e passiva e em todos os actos eleitorais - de imigrantes residentes de longa duração.

Portugal, com as necessárias alterações constitucionais e na lei eleitoral, pode e deve estar na primeira vaga dos países que - sabiamente - optarão por esta expansão da democracia. Com tranquilidade e com base num consenso social e político alargado, deve aproveitar o ciclo de quatro anos sem eleições para que em 2009 já possa contar com a plena participação política dos imigrantes.

Desta forma, garantirá não só a concretização de um princípio justo, mas também uma melhor integração dos imigrantes, fazendo-os sentirem-se parte de pleno direito da nossa sociedade e estimulando-os a assumir, com maior convicção, as suas responsabilidades cívicas. Ganharemos todos com isso.

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