15 abril 2006

Passaporte para o Céu

A história não é nova. Já no PÚBLICO, Paulo Moura tinha descrito com génio os dramas da floresta de Missnana, em Marrocos, onde centenas de imigrantes subsariaanos esperam o dia de embarque para a Europa, em pateras ou zodiacs. Só que agora em Passaporte para o Céu, o arco das histórias tem outra dimensão e profundidade, embora fique ainda incompleto. Como refere o autor: “A história dos «camarades» é desconhecida porque não acaba. Não é uma história. Falta-lhe um ponto final. Eles vieram à procura do Céu e encontraram uma história interminável. Encontraram o Inferno

O livro é, por isso, profundamente perturbador. O repórter do PÚBLICO transforma-se em voz de uma multidão que grita e não é ouvida. Quem o lê fica com uma incómoda sensação de cumplicidade silenciosa perante um drama humano que se desenrola continuamente a algumas centenas de quilómetros. Porque “o seu sentido somos nós. O sonho europeu que à própria Europa já escapou. E a verdade é que não podemos fazer nada, porque não estamos à altura do sonho deles.”

Num sistema iníquo, estes homens e mulheres ficam à mercê de vicissitudes inauditas. Escreve Paulo Moura: “Os ilegais são vulneráveis a qualquer chantagem e mercadoria de negócio para muita gente. A polícia sabe onde eles estão, e cobra cara a sua tolerância. Os vizinhos fazem o mesmo. Todos ganham à excepção dos próprios imigrantes. Que tesouro é este?
Dá para todos, de forma desigual. Os donos das pensões, os guardas, os intermediários, os que trazem os imigrantes da África Subsaariana e os que os transportam até à Europa, os angariadores, os informadores, os vigilantes, os que colaboram, os que denunciam, os que se calam, os polícias, os politicos, os juízes. Todos vivem à custa dos mais pobres, dos que não têm nada. Estranha pirâmide em que os mais miseráveis sustentam o resto da sociedade


Apesar de tudo, cá e lá, alguns quebram esta iniquidade. Marca a história, o exemplo Isidoro Macias, o Padre Pateras, que em Algericas, ajuda sem hesitação quem precisa os imigrantes subsaarianos que chegam às praias espanholas – “Não pergunto se é cristão, muçulmano ou ateu. Também não quero saber se a história que me contam é verdadeira ou não. Nem o que vão fazer das suas vidas depois de as ter ajudado” – soma-se ao Pastor pentecostal, Isaías que coabita em Missnana com os que aí se escondem à procura de uma oportunidade. Numa “zanga” igual às demais, vai ajudando como pode.

Passaporte para o Céu tem um prefácio de António Guterres que sublinha a intersecção entre os mundos das migrações e do deslocamento forçado. Alertando para que “a intolerância é alimentada por alguns políticos em busca de popularidade e por diversos media procurando uma maior audiência” sublinha que “o crescimento do populismo conduziu a uma confusão sistemática e intencional na opinião pública, misturando problemas de segurança, terrorismo, fluxos migratórios, refugiados e asilo. Promover um debate racional significa primeiramente confrontar este procedimento irracional e populista. Isso pode ser atingido promovendo a educação, a tolerância, a razão e os valores democráticos.

Para esta causa, o contributo de Paulo Moura, com “Passaporte para o céu” é muito relevante, mas vai muito mais longe. Ao trazer-nos as histórias concretas de vidas com nome – ilustradas algumas delas por fotografias de Nacho Doce - esta obra abre uma janela para a nossa redenção. Vimos, ouvimos e lemos; não podemos ignorar.



Edição da D. Quixote. A ler já!

Para saber mais sobre Paulo Moura.

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