24 abril 2006

Três mensagens das Ilhas

No meio do Atlântico, em Cabo-Verde e nos Açores, tiveram lugar durante o último mês, três relevantes acontecimentos, no âmbito das políticas de imigração.

1.A cooperação pais de origem/país de acolhimento para a boa gestão das políticas de migrações.

Incluída no programa da visita oficial do Ministro dos Negócios Estrangeiros português a Cabo-Verde, foi criada, entre os dois governos, uma Comissão Conjunta para as questões relacionadas com a imigração cabo-verdiana em Portugal. Incluindo representantes de vários ministérios e da sociedade civil, esta opção estratégica corporiza a mais moderna abordagem da gestão das migrações. Esta inclui, obrigatoriamente, a parceria “país de origem/país de acolhimento” na procura de soluções para os desafios das migrações. Sem permitir que nenhuma das partes se desresponsabilize, este modelo de cooperação permite fazer convergir esforços comuns e ajuda a criar uma melhor compreensão dos esforços e das dificuldades de cada parte.
Como prova adicional da maturidade desta abordagem, na agenda estiveram essencialmente questões de integração, ficando a gestão dos fluxos reduzida à sua importância específica. Habitação, descendentes, protecção social, participação política, ligação à sociedade civil, acesso à nacionalidade foram alguns dos tópicos abordados na Comissão conjunta e que merecerão um progressivo aprofundamento nos próximos meses. Foi possível, neste contexto, trocar informações e pontos de vista com ganhos evidentes.
A comunidade cabo-verdiana em Portugal é uma das mais antigas e das mais relevantes, quer pela dimensão, quer pela qualidade do seu contributo para a vida portuguesa. Com cerca de 64.000 imigrantes e, provavelmente, outros tantos cidadãos com dupla nacionalidade (portuguesa e cabo-verdiana), esta comunidade beneficia assim de uma abordagem piloto que pode vir a configurar um modelo de cooperação bilateral a explorar com outros países de origem. Importa agora dar conteúdo concreto a esta abordagem de vanguarda e estar à altura das expectativas.

2. A importância das diásporas no desenvolvimento dos países de origem

Quase em simultâneo com a primeira reunião da Comissão Conjunta, reuniu-se na cidade da Praia, o IVº Congresso de Quadros Cabo-verdianos da Diáspora. Com uma periodicidade quadrienal, este evento reúne a “nação diasporizada”, ou a “nação global”, em três dias de discussão e reflexão. É um momento impressionante, com a presença de quadros cabo-verdianos provenientes de vários países, mas profundamente interligados na relação à terra-mãe. O tema escolhido para este Congresso foi particularmente significativo: “A diáspora e o desenvolvimento de Cabo-Verde – Um desafio de cidadania”. Este sentido de compromisso com o país de origem, indo muito além da questão das remessas – que no caso cabo-verdiano atingem cerca de 17% do PIB – foi sendo evidente ao longo dos trabalhos. Inspirados pelas brilhantes intervenções iniciais do Ministro dos Negócios Estrangeiros de Cabo-Verde, Dr. Vítor Borges, e do Dr. António Vitorino, os congressistas percorreram um roteiro sobre migração e desenvolvimento onde a recusa da auto-vitimização, a mobilização em função da dignidade da cabo-verdiana e da sua resiliência a contextos hostis, bem como a aposta na educação/formação das novas gerações, foram eixos sempre presentes. Cruzando campos como o associativismo, as segundas gerações e as empresas produziu-se, ao longo desses dias, pensamento e propostas de acção. Para quem esteve como observador, percebeu um pouco melhor porque Cabo-Verde é um caso único. A sua graduação recente ao grupo dos países de desenvolvimento médio, abandonando o grupo dos mais pobres, a sua classificação com o 4ª pais mais desenvolvido da Àfrica sub-sariana, ou ainda um discurso político que tem como ponto de honra o cumprimento integral do serviço da dívida pública - quando a esmagadora maioria dos países pobres se centra no perdão da dívida – tudo isto numa terra sem quaisquer recursos naturais, mostra bem de que qualidade de povo estamos a falar.

3. Associações de Imigrantes e a Agenda dos Açores

Numa ocasião igualmente histórica, realizou-se pela primeira vez o Forum de Organizações representativas de imigrantes, em Ponta Delgada, nos Açores. Organizada excepcionalmente pela Associação de Imigrantes dos Açores, com grande mérito do seu presidente, Dr. Paulo Mendes, a da sua equipa, este evento reuniu mais de 60 associações, o que corresponde a 2/3 do universo total de associações reconhecidas pelo ACIME. Com um programa rico e equilibrado entre conferências e tempo de trabalho em grupo e debate, os líderes associativos provaram que a política de imigração de Portugal faz bem em contar com o seu contributo que é cada vez mais indispensável. Com seriedade e enorme maturidade, foram capazes de avançar com uma agenda concreta que se constitui como um estimulante desafio a toda a sociedade portuguesa. Sempre acreditámos que uma boa política de acolhimento e integração de imigrantes só é possível com a participação activa e substancial da sociedade civil, em particular das associações de imigrantes. Com o Forum dos Açores, tornou-se ainda mais evidente que esse é o caminho certo. Respeitando as especificidades próprias de cada campo – Estado e movimento associativo – foi possível apesar disso consolidar, na linha das palavras na sessão de abertura do Ministro da Presidência, uma aliança estratégica a bem do melhor acolhimento e integração dos imigrantes em Portugal.

Das ilhas chegam, pois, mensagens importantes a ter em conta nas políticas da imigração.

(Editorial BI/ACIME, Maio, 2006)

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