19 março 2007

Reclusos Estrangeiros em Portugal – Esteios de uma problematização

A sistemática correlação entre imigração e criminalidade, muito explorada em todos os países de acolhimento por sectores xenófobos e racistas, tem também entre nós alguma presença. Condicionados pelo desconhecimento da realidade factual e - mais grave – influenciados por leituras enviesadas e percepções distorcidas, muitos dos nossos concidadãos acreditam que existe uma maior incidência de criminalidade entre as comunidades imigrantes. Para isso contribui, em grande medida, a presença mediática de notícias de uma criminalidade com nacionalidade indicada, sempre que se tratam de estrangeiros, o que leva à difusão de um sentimento difuso de insegurança, multiplicado pela vox populi que expande medos e desconfianças. E a “certeza” está tão consolidada que muitos nem admitem procurar nos factos confirmação - ou não - dessa “verdade”.

Aparentemente, os números parecem confirmar essa leitura. Aponta, por exemplo, o presente estudo para que o número de reclusos estrangeiros aumentou de 991 em 1994 para 2145 em 2003, representado respectivamente 9,6% e 15,7% dos reclusos. Lidos duma forma simplista, estes números evidenciam um crescimento do número de detidos estrangeiros (116%), com a “confirmação” da sua maior “predisposição” para o crime. Mas quando perguntamos como evoluiu o número de residentes estrangeiros nesse período, excluindo mesmo uma outra parcela importante a considerar – os estrangeiros não residentes - obtemos um aumento de 157.063 (1994) para 433.868 (2003) imigrantes, o que corresponde a um crescimento de 176%. Ou seja, embora o número de detidos estrangeiros tenha, em termos absolutos, aumentado entre 1994 e 2003, em termos relativos, quando nos referimos à base dos número de imigrantes, esse número diminuiu de 6,3 %o para 4,9%o do universo. É preciso saber ler os números para não nos deixarmos enganar com ilusões de óptica. Muitos mais exemplos como este ficam ao alcance do leitor nos dois estudos do OI sobre esta temática.

Mas poderia a criminalidade ter uma pré-determinação, em função da nacionalidade ou de um estatuto (estrangeiro/imigrante)? Sofrerão os migrantes, no seu processo migratório, alguma transformação de carácter ou de personalidade? Haverá algum processo de selecção natural nos fluxos migratórios que leve a uma sobre-representação de pessoas com maior propensão para o crime?

Neste como noutros temas, ajuda questionarmo-nos também a partir da perspectiva de país de origem de emigrantes: serão os emigrantes portugueses espalhados por todo o mundo, mais atreitos ao crime que os autóctones dos países que os acolhem? Admitimos essa hipótese?

O Observatório da Imigração (OI), como é seu timbre, tem procurado aprofundar o conhecimento sobre as comunidades imigrantes em Portugal, regendo a sua intervenção pelo rigor, objectividade e permanente procura da verdade. Não podia, naturalmente, deixar de abordar esta questão e fê-lo, a dois tempos: com o estudo “A criminalidade de estrangeiros em Portugal: um inquérito científico”, publicado em Maio de 2005 e o presente estudo “Reclusos Estrangeiros em Portugal – Esteios de uma problematização”, ambos da autoria de Hugo Martinez Seabra e Tiago Santos. Estes investigadores da NÚMENA, sob a coordenação do Professor Roberto Carneiro, coordenador do OI, mergulharam a fundo nos dados do sistema judicial e penitenciário, procurando chegar mais longe no conhecimento da realidade, procurando verificar se existe, comparando o que deve ser comparado, uma sobre-representação de cidadãos estrangeiros a contas com a justiça e quais as explicações para tal facto. Os dados ficam disponíveis e os argumentos ao alcance de discussão. A procura serena e consistente da verdade, não deixará margens para dúvidas: não existe uma predisposição diferente para a criminalidade, consoante a nacionalidade ou o estatuto de migrante ou autóctone.

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